a bica do sapato e o brilhante bacalhau escalfado a baixa temperatura

    A ementa

    Já foi melhor? Já. Já foi mais surpreendente? Já. Já foi mais da moda? Já. Mas também já foi mais caro, mais cagão, mais difícil de marcar e mais fácil de detestar. Para a Bica do Sapato ser um restaurante obrigatório só precisa de saber uma coisa: ainda tem o bacalhau fresco escalfado em azeite virgem em cima de à Brás? E isso está lá. Tão bom como dantes e com mais algumas vantagens: os preços estão mais suportáveis e o serviço está menos insuportável. Mas vamos ao que interessa. Este bacalhau, cozido a baixa temperatura, parece um peixe macio, branco, que quase se desfaz na boca. Vem numa posta alta e com a quantidade de sal ideal, sem aquelas pontas amareladas nem os fios irritantes que se enfiam nos espaços entre os dentes. É outra coisa. Branco brilhante, divide-se facilmente em finas lascas com umas gotas de azeite e está por cima de uma cama de ovos à Brás: ou seja, ovos mexidos, cebola e batata frita – sem mais bacalhau. A mistura é simplesmente um dos melhores pratos que se pode comer em Lisboa. 

    Mas há mais. O risotto de alheira é uma delícia – apesar de não ser O-MELHOR-RISOTTO-DO-MUNDO – e as entradas estão ao nível de um bom restaurante: ostras frescas, carpaccio de mero e salmão com aneto, canja de borrego ou tártaro de bacalhau fresco com poejo. Mas não hesite: se tiver de escolher entre os dois bacalhaus, o primeiro é obrigatório.

    Última novidade, especial crise: por €21,50 pode escolher o Menu Bica do Sapato, com uma entrada, um prato, uma sobremesa e um copo de vinho. Mas o bacalhau escalfado não é uma hipótese de escolha deste menu. E sem bacalhau escalfado mais vale ir a outro sítio. 

    O serviço

    Houve um tempo em que os empregados olhavam para si como o Carson de Downton Abbey olha para alguém que não tenha uma casaca vestida: a espelunca desceu à cidade. Hoje, a coisa está ligeiramente melhor. Em quatro empregados, só fomos desprezados por um (o da entrada), o que, na Bica do Sapato, é um avanço de 100 anos de civilização. O empregado que nos serviu sorria, pedia desculpa quando se enganava e até perguntava se estava tudo bem. É estranho mas, com a crise, até na Bica do Sapato pode haver gente simpática.   

    O ambiente

    Este pode ser o maior problema. Numa quinta-feira à noite, o restaurante estava a menos de um quinto – e metade eram grupos de americanas insufladas a beberem gins em cascata. De resto, a decoração era surpreendente há 15 anos. Hoje, parece que entramos na USS Enterprise do Caminho das Estrelas. Já não há a divisão entre o restaurante e a cafetaria, o que traz um problema: se não for fumador, terá de ir para a zona do antigo restaurante, que é o mesmo que dizer – ficará no espaço menos arejado e mais pretensioso. Mas tudo isto é o menos quando temos à nossa frente o bacalhau escalfado.

     

    E já agora, um bom Ano Novo para si, onde quer que esteja,

    Ele

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