é neste restaurante que está escondida a melhor cozinha típica do algarve

    Há apenas dois motivos para o fazer andar 15 minutos de carro, em pleno Verão, pelas profundezas da serra algarvia, em busca da pequena localidade de Corte António Martins: uma dá pelo temível nome de Bar Dancing O Amigo; a outra é uma casa junto à estrada, com uma esplanada com vista directa para um parque de estacionamento e que dá pelo não menos temível nome de Casa de Pasto Fernanda e Campinas.

    No entanto, por tudo quanto há de mais sagrado neste mundo, não desista de vir até aqui: não por causa do bar-dancing, mas por causa da casa de pasto. É aqui que vai conhecer alguma da mais deliciosa e caseira comida típica algarvia. Não estou a falar do peixe grelhado ou dos doces de amêndoa que compra nos supermercados de Quarteira, estou a falar das conquilhas grandes e suculentas cada vez mais raras, do queijo fresco caseiro e consistente, da compota deliciosa e regional, do pão saloio estaladiço, da cabidela da serra, da feijoada de javali ou da entrondosa açorda de galinha do campo.

    Mas, antes de avançarmos para os pratos, é preciso falar do mais importante em qualquer refeição tipicamente portuguesa, aquilo que está na base de tudo o resto e que distingue os grandes restaurantes dos aspirantes a restaurantes…

     

    …A família 

    Mais importante do que ser rápido, mais importante do que servir os pratos pela esquerda e levantá-los pela direita, é fazê-lo sentir-se como se estivesse em casa. Isso é a base de uma refeição típica portuguesa. Num restaurante Michelin, as receitas são fundamentais; num restaurante típico, a família que gere o negócio é a alma de tudo. É ela que vai preparar os pratos com o carinho que o vai fazer relembrar a sua avó, é ela que o vai servir com a simpatia e o à-vontade normal de uma casa de família.

    Não espere aqui grandes salamaleques nem demasiadas atenções. Às vezes, demora. Às vezes, há enganos (a nós trocaram-nos o segundo jarro de vinho da casa), mas à família tudo se desculpa. E aqui é tratado como se fizesse parte da família.

    Nós ligámos a marcar mesa duas horas antes da chegada. E, em vez de um…

    – Hmmm, deixe-me ver se ainda conseguimos arranjar qualquer coisa…

    …ouvimos uma simpática empregada a passar o telefone à própria Fernanda para que a anfitriã nos pudesse perguntar de viva voz o que queríamos comer. Explicou que infelizmente já não nos conseguia servir a especialíssima cabidela – normalmente só a fazem por ecomenda – mas ainda arranjava uma açorda de galinha (apesar de não termos encomendado).

    E quando a minha querida Mulher Mistério lhe disse que o que adorava mesmo era conquilhas, teve logo como garantia guardar-lhe uma travessa grande porque as de hoje estavam uma categoria.

    O couvert 

    Agora chegou a hora de fazer uma pausa na conversa para introduzirmos alguma solenidade: o pão! Com a côdea ultra-estaladiça e o miolo mole mas bem consistente, o pão da Fernanda é um dos melhores e mais fiéis exemplos do delicioso pão caseiro típico da serra algarvia. É verdadeiramente viciante tanto com manteiga, queijo ou molhado no fabuloso molho das amêijoas – quando o miolo ensopa e fica ainda mais macio e irresistível.

    Eu devorei verdadeiras fornadas de pão (€2 por cesto), o que ajudou a minimizar o meu desinteresse pela manteiga e pelo paté de sardinha, ambos de pacote.

    Para complementar o couvert, pedimos ainda umas óptimas azeitonas temperadas e muitíssimo saborosas (€0,50); um queijo seco de ovelha muito bom (€3,50), com um sabor forte mas o interior cremoso, e que vinha acompanhado por uma fantástica compota de abóbora e por umas tostas de pacote em que nem toquei; e um queijo fresco caseiro (€3,50) que foi a estrela da noite. Denso e consistente, estava no ponto perfeito de sal e de sabor. Veio para a mesa já cortado em fatias médias e com a mesma deliciosa compota a acompanhar.

    O único ponto mais fraquinho de todas estas entradinhas foi o presunto (€3,50). Demasiado salgado e pouco suculento, veio cortado em tiras grossas que eu facilmente dispensava.

     

    As entradas 

    Lamento chocá-lo, mas queijos e presunto não são entradas para esta faminta Família Mistério. As entradas verdadeiramente ditas só chegaram depois. E quais foram elas? Umas fantásticas amêijoas à Bulhão Pato (€15), grandes, carnudas, suculentas e temperadas no ponto; e as tão anseadas conquilhas (€10) que fazem a minha querida Mulher Mistério sentir-se tão feliz como um camionista perante uma bomba de gasolina sem combustível.

    As conquilhas são, de facto, um marisco delicioso e cada vez mais difícil de encontrar. Nas praias da zona de Tavira, é facílimo vê-las enterradas na areia, mas nos restaurantes da região são cada vez mais raras. Pois, felizmente na Fernanda tínhamos uma generosa dose de conquilhas enormes e saborosíssimas à nossa espera. Temperadas com um molho suave e delicioso, vinham acompanhadas por gigantescos nacos de alho esmagado – daqueles que são perfeitos para comer com fantásticos pedaços de côdea de pão a fazerem de pinça comestível. 

    Por mim, o jantar poderia ter acabado aqui que já seria inesquecível. Mas não. Ainda faltava chegar o mais importante.

    Os pratos principais 

    Servir uma feijoada a um português, em Agosto, no Algarve, é quase tão insólito como oferecer uma Bola de Berlim a um esquimó, no Polo Norte. E, no entanto, aqui estou eu, feliz e encantado com a minha divinal feijoada de javali. Como se tratava de um prato só disponível por encomenda, fiquei desolado quando, ao pegar na lista, me disseram que infelizmente não havia. Mas, como em qualquer família, tudo se resolve. E, ao ver o meu olhar de cão abandonado perante a sua resposta, o empregado disse logo:

    – Deixe-me ver o que posso fazer…

    Dois minutos mais tarde, voltou para a mesa com a boa notícia: havia um resto na panela que a D. Fernanda não considerava digno de uma dose, mas que pelo menos dava para provar. Resultado: pouco depois, trouxeram um enorme prato de uma fabulosa feijoada de javali (pela qual cobraram €8 em vez dos €10 marcados na ementa). Além de trazer grandes nacos de javali que se desfazia na boca ao mínimo contacto com os dentes, vinha com um delicioso e robusto feijão e com um viciante molho temperado com hortelã – perfeita para cortar um pouco os sabores mais pesados.

    Para mim, isto passaria tranquilamente por uma dose completa e seria suficiente para duas a três pessoas, mas, perante o olhar chocado da minha querida Mulher Mistério, ainda fiz questão de dividir com os Mini-Misteriosos mais esganados a famosa açorda de galinha (€12).

    Não espere aqui a açorda empapada que come em Lisboa. Estamos a falar da açorda típica do sul do país, servida sobre uma cama de pão saloio no fundo da panela, seguida de um irresistível caldo de grão onde a fabulosa galinha do campo é mergulhada para apurar todos os sabores. Por cima de tudo isto, a típica hortelã fresca essencial para evitar que a gordura se torne demasiado enjoativa.

    Pode parecer pesado demais para o Verão. E é pesado demais para o Verão. Mas também é divinal. E não há nenhum peso que uma boa aguardente de medronho bem gelada não nos tire de cima. E na Fernanda tem dos melhores medronhos (€0,80) que poderá provar no Algarve.

    Mas antes dos cafés e das sobremesas, ainda houve tempo para provar um bocadinho de nada (garanto-lhe que foi quase minúsculo…) das deliciosas costeletas de borrego (€12,50) da minha querida Mulher Mistério. Acompanhadas por umas estaladiças e leves batatas fritas em palitos, vinham perfeitas: tostadas por fora, com a marca da grelha, e ultra-suculentas por dentro, estavam brilhantemente temperadas.

    Então e o peixe? Não há peixe? Claro que há. E até houve um Mini-Misterioso que pediu uma dourada (€10), mas não se desvie do caminho da felicidade: este restaurante é para quem gosta de carne! Boa e deliciosa carne!

     

    O ambiente 

    Decoração simples, típica da serra algarvia, não espere nada de muito sofisticado. Nem de pouco sofisticado. As toalhas são de papel, o serviço é caseiro e os clientes habituais ficam pelo balcão à conversa.

    A sala interior estava cheia e ligeiramente barulhenta. Felizmente optámos pela esplanada, onde atrás de nós, havia apenas mais uma mesa grande ocupada por duas famílias de férias. A certa altura do jantar, comecei a ouvir:

    – Sabes que eles costumam vir para esta zona?

    – O Casal Mistério?

    – Sim, já os vi escrever sobre vários sítios por aqui.

    – Mas eles só vão a sítios bons, não é? Só fazem críticas positivas…

    – Não. Fazem críticas boas e más. Já os vi escrever a dizer que o serviço demorou ou que alguma coisa não estava boa.

    Enterrei-me na cadeira, subi as golas da camisa e comecei a suar, em pânico, enquanto a minha querida Mulher Mistério gozava mais uma vez com o meu stress excessivo.

    No final do jantar, quando fui pagar ao balcão, olhei para o lado e estava lá um dos homens da mesa atrás a pagar também. Desviei o olhar, paguei a minha conta e saí rapidamente. Da próxima vez que voltar, só com a peruca da Lili Caneças.

     

    O bom 

    As conquilhas, as amêijoas e o queijo fresco

    O mau 

    O presunto e as tostas de pacote que acompanham o queijo seco

    O óptimo 

    A açorda de galinha e a feijoada de javali

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que o Algarve esteja,

    Ele

     

    fotos: casal mistério

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
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    Casa de Pasto Fernanda e Campinas

    EM 509, Corte António Martins, 8800 Tavira

    Das 12h às 15h e das 19h30 às 23h30

    Fecha às quartas-feiras

    Tel: 281 951 770

    2 comentários em “é neste restaurante que está escondida a melhor cozinha típica do algarve

    1. Aconselho também na zona de Tavira, mais precisamente em Santa catarina Fonte do Bispo, o Restaurante O Constantino 🙂

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