e se um empregado o trata como um insignificante minion? isso é… a nova casa da comida

    Quando a meio de uma conversa com outra pessoa, a empregada o interrompe para lhe explicar alguma coisa com um:

    – Posso?!…

    O que é que os meus amigos fazem? Atenção, não é:

    – Posso?

    É:

    – Posso?!…

    Com ponto de exclamação e reticências. Ou seja com aquele suspiro meio maçado de quem vai fazer o favor de explicar a um ignorante aquilo que ele devia saber. É aquele “Posso” que implica um arquear aborrecido das sobrancelhas, como fazia a sua professora de Matemática da quarta classe. É aquele “Posso” que no fundo quer dizer:

    – E se te calasses para eu poder explicar? Era capaz de não ser má ideia, pois não, meu badameco…

    Não sei se era empregada, se era gerente ou se era dona do restaurante. Mas parecia seguramente ser a Sultana do Brunei.

     

    O serviço

    Esta é a grande falha do enredo do Estórias na Casa da Comida. E foi o que me levou a arrepender-me profundamente de ter voltado ao restaurante tantos anos depois. Remodelada há cerca de um ano, a Casa da Comida acrescentou também ao nome a palavra “Estórias”. Assim mesmo, sem “h”. Qualquer pessoa mais precipitada poderia achar esta mudança de nome um pouco pretensiosa, moderninha e forçada. Mas, depois do primeiro diálogo com os empregados vestidos de blazer e de T-shirt, essas dúvidas desaparecem – e transformam-se em certezas absolutas.

    – Então, já escolheu o vinho?

    – Estou aqui um bocado perdido. Esta carta está organizada de uma forma um bocadinho diferente… Qual é a forma de organização da carta?

    – Está explicado aí na introdução.

    [Silêncio… Pensei que ele fosse explicar, mas não. Está à espera que eu vá ver a introdução. Depois de virar as páginas até ao início, encontro uma folha inteira de texto corrido.]

    – Mas isto é um pouco extenso… 

    Às vezes, é difícil a um certo tipo de donos de restaurantes compreenderem que os clientes vão ali para jantar e conversar. Não vão para ouvirem longas explicações dos chefs sobre a forma como cada prato foi cozinhado nem vão para lerem textos com milhares de caracteres a explicarem como podem consultar a carta de vinhos.

    Depois de alguns segundos, percebi finalmente que, em vez de estar dividida por regiões, a carta de vinhos estava dividida por personagens históricos. Os vinhos são associados a cada personagem histórico segundo a sensibilidade cultural do escanção. Resultado: para conseguir escolher um vinho é necessário passar meia hora em silêncio na mesa a tentar ler à pressa toda esta complexa filosofia. Poderá até ser um deleite intelectual para quem lê a carta, mas é capaz de ser um pouco maçador para as pessoas que estão sentadas consigo à mesa, a olhar para si em silêncio.

    O ambiente 

    É verdade que todo o ambiente promove um certo recato intelectual. Decorado com a biblioteca da família que fundou o restaurante original, suportes de livros com a imagem de Fernando Pessoa, azulejos antigos ou correspondência pessoal, o restaurante poderia ser facilmente uma biblioteca. Mas não é. É um restaurante com uma decoração que mistura algumas cadeiras estampadas com várias cristaleiras embutidas na parede e muitos objectos prateados expostos. Não é propriamente um ambiente leve e muito menos uma decoração jovem. Mas também não é uma decoração de mau gosto. Poderia facilmente ser a sala de estar da minha querida tia Zulmira que, coitadinha, já vai lançada a caminho dos 100 anos. É claro que a sala da minha querida tia Zulmira não costuma ter muita gente. E a Estórias na Casa da Comida também não. Estivemos lá num fim-de-semana e conseguimos ficar numa sala sozinhos. 

    A ementa 

    Então o deserto de clientes quer dizer que aqui se come mal? Não. O deserto significa que aqui se come caro. E, num país até há dois meses governado pelo senhor calvo do Banco Central Europeu, “caro” e “gente” são duas palavras que não costumam conviver na mesma frase.

    O jantar começa com uns pãezinhos razoáveis e um bom azeite (€3,00). A seguir, veio um shot de sopa de abóbora oferecido pelo chef e que estava bonzito.

    As entradas

    Ela escolheu uma sopa de crustáceos e bivalves (€9,70) que estava boa – vem para a mesa com o marisco dentro de uma concha feita de tostas e depois é que é servido o creme no momento. Eu pedi um ovo a baixa temperatura com uma espuma de batata assada e trufa preta (€9,90). O ovo estava óptimo, mesmo no ponto, mas em relação à espuma de batata assada seria mais honesto chamar-lhe simplesmente puré. A consistência do prato está longe de qualquer aproximação a uma espuma e a utilização da palavra injustificadamente é apenas uma forma de irritar os clientes. Num restaurante com a qualidade da Casa da Comida (peço desculpa, mas não me dá muito jeito estar sempre a repetir o “Estórias”), não havia necessidade de nos fazer uma desfeita destas.

    Os pratos principais

    Perante a tremideira que senti ao olhar para a coluna dos preços (os pratos principais vão dos €17 aos €26), optei por pedir outra entrada. E não me saí mal. A perdiz de escabeche à moda da Casa da Comida é uma receita antiga do restaurante original e vem acompanhada com uma simpática salada de agrião e laranja (composta apenas por umas folhas e ainda menos gomos) e umas agradáveis e fininhas tostas. É um delicioso prato para uma noite de calor.

    Ela não se deixou intimidar pelos preços e pediu um tataki do lombo de novilho (€26,00). Trata-se de um bom naco de carne selado de todos os lados e acompanhado por rosácea de batata, gema a baixa temperatura, crocante de presunto e molho à portuguesa. Delicioso, mas com o valor deste prato paga dois almoços no novo restaurante Apicius e ainda lhe sobram uns trocos para comprar umas pastilhas.

    As sobremesas

    Os pastéis da infância do chef Miguel (tenha ele passado os primeiros anos de vida onde quer que tenha sido) são maravilhosos (€5,00). Já o cheesecake de queijo da ilha com gelado de maracujá (€6,00) é apenas bom.

    Como se pode facilmente perceber, a conclusão é simples: na Casa da Comida come-se bem. Mas é difícil justificar vinhos vendidos quase ao dobro do preço do supermercado e um serviço que trata os clientes como uns insignificantes minions.

     

    O bom 

    A comida, em especial o tataki e a perdiz

    O mau 

    O preço

    O péssimo 

    A sobranceria do serviço

     

    Um boa “estória” para si onde quer que esteja,

    Ele

     

    8 comentários em “e se um empregado o trata como um insignificante minion? isso é… a nova casa da comida

    1. Ele, só um pormenor, o correcto não será “escanção” em vez de “escansão”? Obrigado pela critica honesta e construtiva se eles assim o entenderem. Para mim vai ser um sitio a evitar.
      Um abraço

      Pedro

    2. Realmente há lugares que não sei como se mantêm de pé. Logo a começar pelo atendimento: um empregado que não se dá à “maçada” de explicar algo a um cliente que está com duvidas é mesmo mas mesmo muito desagradável. Se fosse eu, antes de sair ainda deixaria uma nota à gerência e não voltava lá.

    3. Boa noite,

      Não obstante não gostar de gim … gosto muito do vosso blog 🙂 Parabéns.

      Confesso contudo que foi com grande surpresa que li esta crítica relativamente a um dos restaurantes que mais aprecio em Lisboa: Estórias da Casa da comida.
      A comida é simplesmente divinal e o espaço é decorado de uma forma única e com um tremendo bom gosto! Quem me dera ter uma tia Zulmira com uma sala de estar tão aprazível … Não sairia de sua casa.

      Compreendo que quando o serviço não corre bem condiciona toda a nossa apreciação … Um exemplo disso é o comentário relativamente ao preço dos vinhos ser quase o dobro do preço do supermercado … Qual é o restaurante que não pratica tais proporções?

      Das poucas vezes que jantei no Estórias nada tenho a apontar ao serviço e confesso que espero lá voltar muitas outras vezes.

      Maria Santos

    4. Olá, Maria
      Antes de mais, muito obrigado pelo seu comentário e pelos tão simpáticos elogios. De facto, o que diz tem toda a razão: quando o serviço não corre bem condiciona imediatamente a percepção que temos do restaurante.
      No entanto, queria só esclarecer-lhe dois pontos que, se calhar, não ficaram bem evidentes no meu texto:
      – O comentário que faço ao ambiente não é um comentário depreciativo. Aliás, se um dia conhecer a minha tia Zulmira verá que ela tem óptimo gosto 🙂 O que quero dizer no texto é que é uma decoração tradicional, à antiga – e, por isso, é que faço essa comparação. Não se trata de uma decoração de mau gosto – antes pelo contrário.
      – A referência que faço aos vinhos é apenas um exemplo dos preços elevados. De facto, há uma tradição nos restaurantes portugueses de exagerarem na margem de lucro sobre os vinhos servidos. No entanto, já começam a aparecer alguns espaços de muita qualidade onde isso não acontece de forma tão clara. Ao longo do texto, dou outros exemplos de preços exagerados que foram praticados. No final, pagámos pouco menos de 80 euros por pessoa, o que, para a experiência que tivemos, foi um manifesto exagero.
      Mais uma vez muito obrigado pelas suas palavras e espero que continue a acompanhar o Casal Mistério,
      Ele

    5. 80€ por pessoa? Não posso precisar quanto paguei na última vez mas terá rondado os 45€.

      Uhmmm … voltando a reler a experiência relatada, se a matemática não me falha, para tudo o que enumerou, o total para ambos seria de 62.60€ + o escabeche de perdiz (de bradar aos céus) cujo preço não enumerou.
      Será que nos ocultou outras iguarias que terá degustado ou será que a seleção de vinho foi muito requintada? 😉

      Quanto à decoração, não a defino, de todo, como “tradicional”. É um misto de moderno com clássico, algo bastante em voga nos tempos que correm. Mas gostos não se discutem, não é assim?

      Uma vez mais obrigada pela partilha,
      Maria Santos

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