mini bar, definitivamente um restaurante onde tem de ir pelo menos uma vez na vida (ou duas… ou três… ou quatro…)

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    José Avillez sempre foi uma figura que me indignou profundamente. Não posso aceitar que exista alguém que consiga cozinhar daquela maneira – e especialmente que esse alguém não seja eu. Imagino o que será um fim-de-semana em casa dos Avillezes: 

    – Oh querido, já estou com uma certa fome.

    – Não te preocupes, meu amor, dá-me só cinco minutinhos que te faço já aqui um lombinho de novilho corado, ligeiramente fumado com alecrim, legumes da estação, tutano e puré de alho. Ou será que preferes um rabo de boi com grão, foie gras, tendões de vitela e creme de cebola com queijo da serra? Também não me custa nada…

    Não é justo Deus ter-se esquecido de mim na Papua Nova Guiné quando decidiu montar uma banca à porta de casa dos Avillezes, em Cascais, para distribuir pelo mundo o talento para cozinhar. E, ainda por cima, juntou-lhe também a simpatia, a humildade e a capacidade de trabalho. Irra, que é demais!

    É por isso sempre com uma profundíssima inveja interior que eu entro nos restaurantes de José Avillez. E desta vez o escolhido foi o Mini Bar, o mais surpreendente e inovador restaurante do chef com duas estrelas Michelin.

     

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    O serviço

    Eu não faço ideia se isto se passa em todas as casas onde vive um ser feminino, mas sair para jantar fora à hora combinada é uma missão utópica no Lar Mistério. Por isso, mais uma vez, fui obrigado a ligar em cima da hora a pedir desculpa pelo atraso. Do outro lado, atendeu-me uma simpática empregada que me respondeu:

    – Não tem problema nenhum. Não se preocupe, estamos aqui à sua espera.

    Eu sei que isto pode parecer um pormenor irrelevante, mas, no meu caso, ser atendido por um empregado simpático deixa-me logo com um estado de espírito com o qual qualquer migalha de pão me sabe a uma esfera de caviar.

    À chegada, parámos à porta enquanto esperávamos que alguém nos viesse receber. Uma empregada passou por nós duas vezes sem dizer nada, mas logo a seguir chegou um colega:

    – Muito boa noite, peço desculpa pela minha colega.

    Como?! Mas ninguém se tinha queixado!

    Ao longo de todo o jantar, que durou mais de duas horas e 13 pratos, o serviço foi sempre simpático, engraçado e rápido. 

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    A ementa

    O Mini Bar não é bem um restaurante. Nem um bar. É uma mistura dos dois. A ementa é feita de pequenas tapas completamente vanguardistas. São experiências – umas originais, outras importadas do Belcanto – feitas por José Avillez em mini-doses e transformadas num menu de degustação do século XXII. Quando se senta, tem três hipóteses: um menu de degustação surpresa, com 13 mini-pratos seleccionados pelo chef (€48,50); um menu de degustação mais pequeno, com 11 mini-pratos pré-definidos (€39); e uma selecção à carta que só compensa se for ao Mini Bar para beber um cocktail (a carta é grande e original) e comer um petisco (sim, também pode lá ir sem ser para jantar). 

    Nós íamos com um casal de amigos e dividimo-nos: eles os três escolheram o Menu Épico (o maior) e eu escolhi o Menu Cartaz (mais pequeno). Mas antes de começar a elogiar a minha contenção alimentar, deixe-me só esclarecer que esta distinção não foi para comer menos (aliás, acabei por pedir um mini-prato à parte porque fiquei cheio de inveja), foi apenas porque o Menu Cartaz tinha o esmagador Ferrero Rocher (eu já explico, mas não é um bombom, é uma tapa criada no Belcanto) e eu não podia resistir a essa tentação.

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    Os aperitivos

    Primeiro, tenho de me lamentar um pouco. Entre o momento em que nos sentámos à mesa e o instante em que chegou a primeira migalha de comida, passaram uns intermináveis 29 minutos. E a culpa não foi do serviço. O problema é que o Mini Bar não tem couvert nem nada que o entretenha enquanto escolhe e se ajeita na cadeira. Eu percebo que isto não é bem um restaurante, mas é fundamental haver algum elemento sólido para acompanhar os primeiros goles de vinho ou de cocktail, senão um homem em jejum não resiste.

    E agora, o festival. As hostilidades do meu menu abriram com uma caipirinha que tem muito pouco a ver com uma bebida. O que vem para a mesa é uma esfera verde. A ideia é comer. A capa parece feita de chocolate e o interior é um líquido que sabe mais a lima do que a cachaça. À primeira trinca, a bola abre-se e a sua boca é inundada pela bebida fresca. É agradável, mas está muito longe dos melhores petiscos do restaurante. Eles começaram com uma margarita, que basicamente é um gomo de maçã com tequilla, chilli e sal.

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    As tapas

    A seguir, chegaram as famosas azeitonas explosivas que acompanham o bacalhau à Brás do Café Lisboa. Aqui vêm sem bacalhau, apenas as azeitonas em cima de uma colher e prontas para rebentarem à primeira dentada. São servidas num tamanho XXL e, se ainda não conhece, posso dizer-lhe que são uma experiência imperdível. Por fora, parecem azeitonas normais, por dentro têm um líquido concentrado que recria na perfeição o sabor da azeitona. Quando as coloca na boca, o líquido espalha-se, dando uma sensação única.

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    Terceiro passo: o tão aguardado Ferrero Rocher. Aparentemente, esta tapa parece um bombom embrulhado no habitual papel metalizado e dourado da marca, mas, contudo… não é nada disso: o papel metalizado é comestível, depois é, de facto, um bombom de chocolate com avelã picada por cima, mas o recheio é feito de foie gras. Não preciso de descrever aqui como é que o chocolate e a avelã resultam em conjugação com o foie gras cremoso, pois não? Calculei… 

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    A ultramaratona continuou com as gambas do Algarve em ceviche, que basicamente são duas gambas cruas servidas em cima de uma fatia de lima, com uma esfera de beterraba e um grão de milho frito. É inacreditável o sabor a mar das gambas e os subtilíssimos toques ácido da lima e salgado do milho frito (eu sei que pareço o maestro António Vitorino de Almeida a descrever a Nona Sinfonia de Beethoven, mas isto anda lá perto).

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    Ao quinto prato, a mesa dividiu-se: eles comeram um abacate em tempura com kimchi (um acompanhamento coreano) desidratado, rebentos de coentros, lima e limão e eu tive direito a uma surpresa arrebatadora – um frango assado que, como é habitual, de frango assado só tem o sabor. O que lhe trazem para a mesa é uma fatia fininha e estaladiça de pele de frango com creme de abacate e requeijão fumado e um pouco de piri piri em picle por cima. Diga lá se não é enervante a forma como José Avillez consegue colocar todos os sabores de um frango assado em apenas 10 centímetros de pele!

    Pelo meio, eles tiveram direito a uns óptimos croquetes de novilho com emulsão de mostarda, que (surpresa!) eram mesmo uns croquetes, e umas bruschettas de foie gras com redução de balsâmico, parmesão e figo que me deixaram a babar como o Mira Amaral. As bruschettas são da grossura de uma folha de papel, estaladiças e com um intenso sabor a foie e a parmesão (Ela sentiu-se suficientemente generosa para me dar 1 dos seus 10 centímetros de bruschetta a provar).

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    Os mini-pratos

    E quando tudo levava a crer que eu estava prestes a regressar ao mundo dos comensais, eis que chega um outro prato que só havia no menu deles: uma cavala fumada, com tiras de maçã e aipo e um molho agradável. A cavala vem dentro de uma pequena campânula transparente cheia de fumo. Quando chega à mesa, levanta-se a tampa e o ar à sua frente enche-se com um agradável aroma a fumado. Confesso que gostei mais do espectáculo do que do sabor.

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    Antes que eu entrasse em depressão por falta de comida, trouxeram-me um atum braseado com molho miso e cebolinho. É servido em cima de uma pedra aquecida por uma vela, mas o molho miso estava forte demais para o meu gosto.

    E finalmente (qual finalmente? Ainda só vamos a meio!) chegámos aos cornettos. Primeiro, trouxeram o divinal cornetto temaki com um tártaro de atum e um molho de soja picante enrolado em alga nori; depois, o divinalíssimo cornetto de tártaro de novilho com emulsão de mostarda, alcaparras e cornichones. A massa exterior é brick e vem muito fininha e estaladiça.

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    O jantar continuou com um quente e frio de escabeche de bacalhau com vinagre de framboesas que, no fundo, é bacalhau em tempura com um molho de escabeche e umas framboesas desidratadas e servidas em pó por cima. A massa da tempura é fina e leve, o molho é suave e as framboesas dão-lhe um toque ácido. A combinação é óptima.

    Para último prato, antes das sobremesas, chegou-me um magnífico (acho que já esgotei os adjectivos) arroz de vitela com parmesão. Apesar de ser um prato menos moderninho, estava muitíssimo bem temperado e equilibrado. Eles tiveram direito ao famoso mini-hambúrguer de carne de novilho barrosã em pão de brioche e acompanhado com pancetta.

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    E agora deixe-me respirar um bocadinho, antes de passarmos às sobremesas…

     

    Os doces

    …Já está.

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    Os meus queridos parceiros foram presenteados com mais um corneto, desta vez feito de bolacha de chocolate por fora, mousse e espuma de chocolate por dentro. Acha que é enjoativo? Pois, está enganado. A flor de sal e a pimenta rosa que são salpicadas por cima fazem toda a diferença. Eu deliciei-me com um boião de iogurte com mascarpone, suspiro, framboesa e peta zetas que me fez regressar às minhas peregrinações juvenis aos caramelos de Badajoz.

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    E é claro que não é tudo, porque num jantar com mais de dez pratos não pode haver apenas uma sobremesa. Eles ainda provaram um globo de lima com espuma e sumo de limão, enquanto eu me digladiava para conseguir deglutir uma dose inteira de avelã ao cubo revisitada, que leva gelado de avelã, espuma de avelã, flor de sal e bolo de avelã em vez do crumble que é servido no Cantinho do Avillez. Devo dizer que prefiro claramente o crumble ao bolo.

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    O ambiente

    Pode parecer ilusão mas, ao fim de 5626 caracteres, consegui finalmente acabar de descrever a comida que ingerimos. Acredito que tenham sido mais calorias do que caracteres, mas garanto que vale a pena o sacrifício. E como já deve estar farto de me ler, vou ser rápido em relação ao ambiente: o espaço é escuro e animado, mas tem um drama fatal – as mesas estão afastadas umas das outras por pouco mais de dois palmos (e contabilizados com a mão do meu filho mais novo), o que fez com que tivéssemos um casal com um gravíssimo défice de diálogo a ouvir atentamente a nossa conversa durante toda a noite. Ainda admiti pedir-lhes para me ajudarem a tomar umas notas sobre a comida para poder escrever este texto, mas achei que podia comprometer o nosso mistério.

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    As crianças

    A música é alta (às quintas, sextas e sábados há DJ), o ambiente é animado e o restaurante está aberto até às 2h da manhã por isso não é o sítio indicado para levar crianças.

     

    Leia também sobre os outros restaurantes de José Avillez:

     

    O bom 

    O serviço

    O mau

    A proximidade das mesas

    O óptimo

    A comida, em especial o Ferrero Rocher e as gambas em ceviche

     

    Um mini-abraço para si onde quer que esteja,

    Ele

     

    fotos: mini bar

     

    4 comentários em “mini bar, definitivamente um restaurante onde tem de ir pelo menos uma vez na vida (ou duas… ou três… ou quatro…)

    1. ah como percebo os comentarios de que ele e capaz de utilizar uma mistura de combinacoes improvaveis que ng esta a espera e depois nao e que resulta? Ainda nao experimentei o mini bar, mas experimentei o cafe Lisboa e o cantinho do Avillez. Tambem me falta ainda o Belcanto (um dia!)

    2. Vou lá no mês de Dezembro e será assim a minha primeira experiência de cozinha molecular, de autor. E de um chefe conceituado, com estrela michelin.

      Estou muito curioso e com expectativas altas e depois de ler o vosso post ainda mais empolgado fiquei, muito bom 😉

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