o pão é carcaça, a maionese não é caseira, o ambiente é caótico – então o que faz deste um dos restaurantes mais famosos do algarve?

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    Nunca julguei possível poder gostar de um couvert composto por umas torradas de carcaças cortadas ao meio, barradas com uma manteiga de qualidade duvidosa e acompanhadas por uma maionese Hellmann’s com alho. Só a ideia de misturar manteiga e maionese no mesmo pedaço de pão já deixa a minha querida e pseudo-saudável Mulher Mistério à beira de um colapso nervoso. E então se esse pedaço de pão for a velha e desenxabida carcaça que acompanhou anos e anos dos meus lanches de infância, o cenário ainda se torna mais improvável. Mas, no entanto…

    …no entanto, assisti verdadeiramente abasurdido ao aspirar de torres de carcaças torradas mergulhadas em maionese. Não só por parte da minha querida Mulher Mistério, mas de toda a família em peso (e aqui a palavra peso aplica-se com todo o seu significado).

    Na verdade, aquelas torradas tornam-se irresistíveis exactamente por me lembrarem da minha infância, quando os lanches eram feitos de carcaças com manteiga sem qualquer tipo de peneiras. Quando não havia hipermercados Continente nem dezenas de marcas de manteiga para comprar. Quando uma simples maionese de alho era o supra-sumo da gourmesice nacional.

     

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    A ementa

    À medida que o seu jantar vai avançando, o despretensiosismo mantém-se, mas a qualidade dos ingredientes melhora substancialmente. Apesar de ficar no centro da cidade de Silves, a uns longos 15 quilómetros da costa onde os restaurantes de peixe e marisco se multiplicam à mesma velocidade que os escaldões nas costas dos ingleses, o Rui de Silves consegue ter marisco fresquíssimo e delicioso, vindo de todo o Algarve.

    Da última vez que lá fomos jantar, a única excepção foram as ostras (€15 por 10 ostras), que estavam frescas e com uma boa consistência, mas com um sabor muito aguado, sem qualquer réstia do sal do mar.

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    De resto, começámos com um fantástico prato de presunto pata negra (€10), cortado muito fininho e com uma textura macia que o faz deslizar suavemente pela boca. Depois chegaram uns bons percebes (€45/kg), carnudos e acabados de cozer. Servidos ainda mornos, tinham um tamanho médio e vinham cozidos na perfeição: sem um único grão de areia e com o corpo a não se separar da cabeça ao abrir.

    A seguir, pedimos umas também deliciosas canilhas (€14 a dose). Trata-se de uma concha parecida com a de um búzio, mas com picos compridos. Lá dentro está um molusco delicioso, habitual na Ria Formosa, que começa por ser mais rijo no início e que acaba quase a desfazer-se na boca. Para tirar todo o marisco que está dentro da concha, precisa de o puxar com um gancho e depois bater com a concha numa tábua para sair a tal última parte macia que quase se desfaz ao toque na língua.

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    O jantar melhorou ainda mais com as fabulosas gambas cozidas ao sal (€65/kg). Apanhadas ali ao lado, na costa algarvia, são absolutamente divinais. Só levemente cozidas, ficam suculentas e cheias de água salgada por dentro. Para mim, foram as melhores gambas ao sal que comi este ano. Vieram para a mesa ainda quentes, com umas pedras de sal grosso por fora e com a cabeça carregada daquele molho absolutamente divinal que só existe nas gambas frescas.

    Os petiscos quentes continuaram com umas também espectaculares amêijoas à Bulhão Pato (€17,50 a dose) que são apanhadas ainda selvagens, em Olhão, e depois deixadas crescer em viveiros na Ria Formosa. Grandes e suculentas, traziam um molho bem equilibrado ainda com uns nacos inteiros de alho absolutamente irresistíveis.

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    O jantar só acabou com uns fantásticos carabineiros grelhados (€78/kg). Ainda estive dividido entre estes e o magnífico camarão riscado, do Algarve, mas não consegui resistir aos carabineiros. Aquele molho fabuloso que sai da cabeça é uma verdadeira perdição. E então quando este se mistura com um fantástico arroz de coentros soltinho (tem de pedir, porque o habitual é servirem com arroz branco) é como se estivéssemos a saborear o último petisco do planeta.

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    A sobremesa

    Para mim, Algarve sem tarte de figo e alfarroba é como a Catarina Furtado sem o sinal no queixo. E quem diz figo e alfarroba, diz figo, alfarroba e amêndoa (€3). A farinha de alfarroba dá suavidade ao bolo, a amêndoa dá-lhe aquele sabor irresistível e o figo dá-lhe uma fabulosa textura molhadinha. No topo, vinha ainda salpicado com um pouco de açúcar de confeiteiro.

    É doce demais? É. É calórico demais? Também. É um crime para a dieta? Seguramente. Mas também é absolutamente imperdível.

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    O ambiente

    Se a comida é despretensiosa, o ambiente é verdadeiramente familiar. Aqui, há barulho, confusão, pessoas a falar alto, gargalhadas estridentes e cascas de marisco a voarem de mesa em mesa. Mas aquilo que no Gambrinus seria uma desgraça, no Rui é um encanto. 

    Tal como em todas as casas de famílias numerosas, no Rui de Silves vive-se um caos agradável, simpático e sincero. É difícil sair de lá mal disposto e é impossível sair de lá insatisfeito. Mesmo quando alguma coisa corre mal, perdoa-se, tanto pela genuinidade do espaço, como pela simpatia dos empregados.

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    O serviço

    É um feito histórico como é que, num restaurante sempre cheio e caótico, o serviço consegue ser rápido e simpático. Os empregados correm de um lado para o outro, gritam ordens para o balcão e pedidos para a cozinha, pisam-se, escorregam e quase caem, mas é difícil esperar mais de cinco minutos por uns percebes acabados de cozer. Ou entregarem-lhe alguma coisa sem uma palavra simpática. 

    Quando a sua imperial gelada está a acabar, já outra lhe trazem para a mesa. E se não quiser, isso não é problema: os empregados levam para trás a imperial com o mesmo sorriso com que a trouxeram. 

    É claro que, no meio de toda esta confusão, não conte com reservas nem mesas vazias à espera dos clientes. Se quiser garantir uma mesa, pode ligar e dar o seu nome que é colocado numa lista de espera. Até às oito da noite, tem mais hipóteses de se sentar logo; depois dessa hora, é esperar – infelizmente, em pé. É um dos poucos problemas das casas de família: aqui não há cerimónias.

     

    O bom

    O serviço rápido e simpático, mesmo com o restaurante cheio

    O mau

    As filas à porta em Agosto, mesmo com o nome na lista de espera

    O óptimo

    O marisco do Algarve, especialmente as amêijoas e as gambas ao sal

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que o marisco esteja,

    Ele

     

    fotos: casal mistério

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
    _________________________

    Marisqueira Rui
    Rua Comendador Vilarinho, 27 Silves
    Das 12h à 01h00; fecha à terça-feira
    T: 282 442 682

     

    26 comentários em “o pão é carcaça, a maionese não é caseira, o ambiente é caótico – então o que faz deste um dos restaurantes mais famosos do algarve?

    1. Ah…Ah…Ah… Quando comecei a ler sobre a carcaça
      (que na região se chama “papo seco”), com maionese de alho, soube imediatamente que se tratava do Rui, que conheço ha trinta anos. Durante todo este tempo, tanto o serviço como a comida continuam excelentes, e tal como escreve, o único defeito é (tem sido) as filas de espera.

    2. Os bons restaurantes também são assim. E existe mais assim no Algarve, visitem este e não se arrependerão, mas preparem-se para esperar: Restaurante do Clube de Pesca Desporiva e Náutica de Albufeira.

    3. PARABÉNS PELA CRÍTICA !! É a melhor descrição com detalhes que eu já li deste restaurante que adoro.Sou de Silves e sou cliente há muitos anos.O Rui sempre foi assim bom e tem vindo a melhorar ao longo dos anos com a crescente evolução e exigência dos clientes e da própria restauração.

    4. Eu conheço bem o sitio e se calhar por tudo mencionado e mais alguma coisa, sou/somos clientes frequentes e voltamos lá sempre que dá.
      E tendo em conta que nunca rumamos a sul em Agosto, é raro apanhar grandes filas 🙂

    5. “Ele cozinha, ela viaja. Quando estão fora, testam e avaliam restaurantes, bares e hotéis. Quando se juntam em casa, escrevem sobre o que viram: o bom, o mau e o péssimo.”
      Já um pouco farto destes repetitívos arrazoados e da “simpatia” constante dos Senhores do Sapo em por tudo e por nada colocarem estes devaneios em destaque, não levem a mal a pergunta:
      Voçês governam-se de quê?

    6. Gostei de ler mas deixo uma questão:
      Conseguem confirmar que a maionese não é caseira? Sempre a considerei um dos marcos desse restaurante e quando saio a recordação que fica (por mais estranho que pareça) é invariavelmente a maionese que não me parece tratar-se de uma simples maionese industrializada misturada com alho, mas fica a questão.
      Obrigado!

    7. Não sei se certos pormenores continuam como há uns 20 e tal anos atrás… em que enquanto estávamos na fila no passeio (sim, a rua ainda não era pedonal e o passeio era minúsculo) nos traziam uma imperial para refrescar a espera 🙂

    8. Descrição perfeita, mas permita-me dois reparos, o primeiro é que a maionese é caseira e o segundo é que os viveiros de amêijoas são em Olhão e o facto de serem de viveiro não as fazem menos selvagens, é um bocadinho​ diferente do peixe.

    9. Eu tenho a certeza que a maionese é caseira. O facto do senhor ter visto um frasco de maionese artificial na cozinha não quer dizer nada. Já vi a confecção da dita ao vivo.

    10. Do dinheiro que tu lhes dás ao vir aqui… 😉 Não leves a mal a pergunta, mas um tipo que sabe o que é arrazoados, não devia saber que voçês é na realidade vocês?

    11. Este casal mistério, que de misterioso não tem nada (sei quem vocês são), tem a infeliz ideia de ir em Agosto (repito: Agosto), a um dos restaurantes mais procurados do Algarve…e depois admira-se com as filas.
      Sugestão ao casal mistério: vão em outubro ou novembro ou mesmo em dezembro. O ambiente é melhor, não há filas e a comida, garanto, ainda é muito melhor.

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