o restaurante onde “os senhores” não podem entrar de boné

    “Dress code: Smart Casual. Não é permitido aos senhores o uso de sandálias de praia, havaianas ou similar, manga-cava e boné. A partir das 18h00 também não é permitido o uso de calções. Agradecemos a sua preferência. Os melhores cumprimentos.”

    Foi com esta temível mensagem especialmente dirigida à ala masculina deste casal (felizmente, as senhoras podem entrar de havaianas e de boné) que vimos a nossa reserva confirmada para jantar no JNcQUOI Asia. Arrumámos o carro na Avenida da Liberdade, eu deixei de lado o meu boné Gucci e a minha T-shirt de manga-cava fluorescente, coloquei a minha mais solene pose de distinto cliente e marchámos confiantes, passeio abaixo, em busca do novo restaurante asiático da moda em Lisboa.

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    Como não existe nenhuma placa a indicar exactamente onde fica a porta do restaurante, tive de recorrer ao sempre útil Google Maps que me levou até uma porta com uma bandeira encarnada. Enquanto a minha querida Mulher Mistério subia destemidamente a escadaria em busca de um busto de Buda, eu achei por bem olhar um pouco melhor à volta para ver se não havia mesmo nenhuma indicação. Finalmente, encontrei três discretas letras na coluna do lado esquerdo: PCP. Nada de JNcQUOI, nada de Ásia. Só mesmo as iniciais do Partido Comunista Português.

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    O ambiente 

    Só três portas ao lado encontrei finalmente o restaurante da moda. Fui recebido por uma simpática senhora sem sandálias de praia e levado sorridentemente para a minha mesa. Ao lado, uma família numerosa ocupava uma grande mesa quadrada. As crianças passeavam por baixo da mesa, as mães discutiam vestidos, os maridos falavam sobre futebol. Mas ninguém usava manga-cava. Apenas camisolas debruadas com o símbolo da Dolce & Gabbana e vestidos capazes de ofuscar o guarda-roupa da Cristina Ferreira na última edição dos Globos de Ouro.

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    A decoração do espaço também não tem muito de discreta. Na sala interior, as paredes estão forradas a encarnado e o tecto está coberto com o esqueleto de um enorme dragão. No exterior, há um grande pátio com neóns coloridos e guarda-sóis floridos. Até a ementa tem uma moldura dourada para não passar despercebida. A minha querida Mulher Mistério adorou a decoração da esplanada, eu não recusaria um pouco mais de simplicidade. 

    E já que falei da ementa…

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    O couvert 

    Enquanto olhava para a ementa debruada a ouro como quem olha para o Taj Mahal, colocaram-me à frente um prato a condizer – também ele dourado, claro! – com um agradável e bem temperado pão naan (€3,50 por pessoa) que nos fez companhia enquanto escolhíamos.

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    A ementa 

    Para abrir as hostilidades, pedimos um usuzukuri de lírio (€18) que pode facilmente ser traduzido por carpaccio de lírio. O que é difícil de traduzir é a extraordinária frescura do peixe e o fabuloso sabor a mar que saía por todos os poros. Se acha que isto já seria suficiente para fazer deste um prato imperdível, então espere pelos requintados detalhes que vinham por cima: um delicioso óleo de trufas, umas finíssimas raspas de lima que lhe davam um toque ácido irresistível, umas carnudas ovas de salmão e um equilibradíssimo molho ponzo. Tudo isto colocado na quantidade certa, para que nenhum sabor abafe o outro. Para mim, foi o melhor prato da noite.

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    A seguir comemos uns nigiris de carabineiro também deliciosos (€22 por dois nigiris) mas com o carabineiro cozinhado, o que retirou alguma da graça que esta maravilha podia ter. No entanto, o arroz estava bom e equilibrado, o carabineiro saboroso e, entre os dois, vinha uma fininha camada de um wasabi maravilhoso e completamente diferente daquele que compra no supermercado. Além de muito mais saboroso – não se limita a ser picante – o wasabi tinha uma textura cremosa onde se sentia cada grão da raiz moído. Um prato delicioso, mas que não deixa de custar €11 por nigiri.

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    A festa continuou com um negitoro, um tártaro de atum com um peixe fresquíssimo e suculento mas com um dispensável arroz. Apesar de não ser um prato propriamente surpreendente, trazia um atum marvilhoso e bem picado, misturado com cebolete. Por cima, vinha uma agradável e cremosa pasta miso e umas boas ovas de salmão. Preço: os mesmos €22.

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    Depois das entradas, pedimos um divinal dim sum de camarão que se apresentava como Cheungfan de camarão (€16). Cheungfan são uns deliciosos rolos cozinhados ao vapor e feitos com uma finíssima, levíssima e deliciosa massa de arroz que quase se desfaz ao primeiro contacto com os pauzinhos. Os nossos eram recheados com uns fantásticos e suculentos camarões cozinhados mesmo no ponto. E a acompanhar traziam à parte um fabuloso molho picante feito com chili salteado. 

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    O outro prato principal que pedimos foi uma tempura de camarão. Eu não sou grande fã de tempura, nem dos preços desta em particular (€26), mas o simpático empregado insistiu tanto que acabei por ceder. E não me arrependo. Estava muitíssimo bem cozinhada e estaladiça, sem ponta de gordura a mais, e vinha com uma divinal maionese de chili a acompanhar, levemente picante e saborosa, que ligava lindamente com os compridos e carnudos camarões.

    Tudo isto foi acompanhado por uma fantástica couve pak choi salteada com um divinal molho de ostra (€7). Eu sou apaixonado por couve pak choi. Não só pelo sabor, mas também pela crocância do pé quando é cozinhado no ponto. E esta estava perfeita.

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    As sobremesas 

    Prepare-se para esta etapa porque não vai ser fácil. As sobremesas são-lhe trazidas para a mesa num espetacular carrinho que é um verdadeiro baú de tentações. Tem ali trouxas de ovos, fondants, tartes de limão e, mais importante do que tudo o resto, tem ali os divinais doces da Ladurée.

    A Ladurée é uma pastelaria francesa com mais de 150 anos que está para o mundo da doçaria assim como a Isabel dos Santos está para o mundo das offshores. É a Ladurée que cria alguns dos mais requintados e sofisticados bolos que já provei.

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    E, como é evidente, não podia deixar escapar uma oportunidades destas. Por isso, optámos por dividir uma solução mista: um doce da Ladurée e outro da casa. No caso da Ladurée, escolhemos aquele que é um dos mais bem apresentados representantes da classe dos bolos de luxo, o Plaisir Sucré (€9). Trata-se de um levíssimo bolo dacquoise, feito em camadas tão leves como uma nuvem. Na base está um delicioso praliné e depois vão alternando maravilhosas camadas de creme de chocolate e avelã preparado com natas batidas. Para terminar uma finíssima crosta de chocolate e um selo comestível da Ladurée em tons – claro – dourados.

    Como se esta maravilha não nos chegasse, ainda conseguimos comer uma inacreditável baba de rinoceronte (€9). Está a ver a baba de camelo? Agora misture-lhe um creme de chocolate e caramelo, doce de ovos, bolacha triturada e uma cobertura de natas. É aquele género de sobremesa que faz a Ágata Roquette ter uma apoplexia nervosa.

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    O serviço 

    Como fomos cedo, num dia de sol e calor, optámos por ficar na esplanada. Antes de olharmos pela primeira vez para a ementa, já dois empregados nos tinham vindo perguntar se queríamos mantas para nos aquecermos, se estávamos com frio ou se precisávamos de alguma coisa.

    O serviço do JNcQUOI Ásia é assim: nada escapa aos empregados. E, se por uns segundos lhes escapar, está sempre atrás, atento, o chefe de sala para nunca o deixar à espera com o copo de vinho vazio ou com o prato na mesa por levantar.

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    Além desta eficiência quase obsessiva, ainda há a simpatia. Tudo é feito da forma mais agradável e bem educada possível. Se não quiser conversas, ninguém o chateia mas, se tiver alguma dúvida, os empregados estão sempre disponíveis para lhe responderem com um sorriso na cara. Nós pedimos sugestões sobre a ementa e correu tudo de forma perfeita: óptimos pratos, quantidades impecáveis, um espaço original.

    Apesar dos preços, ficámos radiantes com a experiência. Não tão radiantes como a senhora com quem nos cruzámos à saída: com uma jóia extravagante, levava um vestido comprido com uma abertura que lhe percorria toda a perna. Tão comprido que a senhora tropeçou nele e só foi salva da queda aparatosa, no último instante, pelo voluntarioso acompanhante. Foi nesse preciso momento que confirmei a grande dúvida da noite: calçava saltos altos, não havaianas.

     

    O bom 

    A originalidade da decoração, apesar do excesso de encarnados e dourados, e a comida, em especial o carpaccio de lírio e o dim sum de camarão

    O mau 

    O preço excessivo

    O óptimo 

    A simpatia e a eficiência do serviço

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que as havaianas estejam,

    Ele

     

    fotos: casal mistério; jncquoi; ladurée

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
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    JNcQUOI Asia

    Avenida da Liberdade, 144, Lisboa

    Todos os dias, das 12h às 00h

    Tel: 210 513 000

     

    2 comentários em “o restaurante onde “os senhores” não podem entrar de boné

    1. Bem decorado é certo, comida mais para os olhos do que para o paladar, excessivamente caro. Para o ambiente apresentado, intimista e reservado, é muitíssimo barulhento, música alta com as pessoas a conversar por cima.

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