pombos, vendedores de óculos escuros, turistas e umas ostras divinais: o nosso almoço no novo restaurante do chef kiko

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    Não tenho qualquer tipo de escapatória. Estou verdadeiramente sitiado por bandos de turistas que falam com o tom de voz da Cristina Ferreira em dia de entusiasmo supremo. E mesmo que tivesse escapatória, a alternativa não seria muito melhor: uns passos mais à frente, uma condutora de tuk tuk discute audivelmente com um arrumador de carros, de jornal em punho, que a repreende por ter parado a mota no meio da estrada para mostrar um mapa a um grupo de turistas.

    Atrás de si, quase dez carros começam a apitar desenfreadamente em sinal de protesto contra a fila. O condutor de um camião do lixo sai para a rua para se juntar à confusão. Entretanto, sou abordado por um vendedor de óculos escuros. Digo-lhe que não quero. Insiste em inglês. Digo que sou português. Insiste em português. Volto a recusar. Enquanto ele se afasta, um pombo aproxima-se e voa para cima da minha mesa. Meu Deus, onde é que eu me vim meter?!

    Na esplanada do novo restaurante O Surf & Turf, no Mercado da Ribeira, em Lisboa.

     

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    O ambiente

    Se, para si, esplanada é sinónimo de ambiente bucólico e passarinhos a chilrear, fuja. Rapidamente e sem olhar para trás. O ambiente que circunda o Mercado da Ribeira à hora do almoço está muito próximo do Mercado de Agadir à hora de ponta. Quando cheguei, encontrei uma mesa à sombra. Perguntei à empregada se me podia sentar. A senhora pediu-me educadamente que esperasse apenas que o seu colega limpasse a mesa. Durante os dois minutos em que esperei em pé, a uns centímetros da cadeira, que o empregado fizesse o seu trabalho, a minha mesa foi alvo de duas tentativas de anexação hostil por parte de casais de turistas desesperadamente à procura de um lugar à sombra. Aqui ninguém hesita em roubar-lhe o lugar. Está num ambiente de guerra – guerra de lugares, mas guerra.

    No interior, há um espaço privado do restaurante com pouco mais de dez lugares à volta de um balcão com uma raiz de árvore gigante no meio. Ali mesmo à sua frente, os cozinheiros preparam os pratos. Como está afastado da praça central, o ambiente no interior do restaurante é ligeiramente mais tranquilo, mas não espere muito. Calma é coisa que não há aqui.

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    A ementa

    Já fui duas vezes almoçar a este que é o mais recente restaurante do chef Kiko Martins. A ementa é mais contida do que o Vítor Gaspar a gerir as Finanças Públicas: só tem oito pratos e duas sobremesas – e muitos deles são reciclagens dos outros restaurantes do chef: O Talho, O Asiático e A Cevicheria, todos em Lisboa. 

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    O couvert

    Da primeira vez que fui ao restaurante, estava sozinho e trouxeram-me um prato com tostas de pão saloio, uma manteiga de algas, uma gema de ovo cozida a baixa temperatura e cancha, um milho gigante tipicamente peruano. Da segunda vez que fui ao restaurante, estava com a minha querida Mulher Mistério e trouxeram-me o mesmo prato de couvert, com as mesmas quantidades. Pequena surpresa: da primeira vez, cobraram-me um couvert (€2,85); da segunda vez, cobraram-me dois couverts (€5,70). 

    Eu sei que, na ementa, diz que o couvert custa €2,85 por pessoa, mas ainda tive esperanças de que ao aumento de preço correspondesse aumento de comida. Infelizmente, não se confirmou: das duas vezes, vieram as mesmas quatro tostas, uma manteiga e uma gema. Pode ter havido alguma variação nos 16 grãos de milho peruano, mas a minha obsessão com os pormenores não vai tão longe.

    A verdade é que a manteiga de algas é leve e saborosa. Com uma consistência cremosa, quase espuma, leva alga nori desfeita e umas pedras de sal por cima, o que intensifica ainda mais o sabor a mar. A gema de ovo também é agradável, cremosa mas espessa, quase com a consistência de uma Nutella. Por cima leva um crumble de chouriço tostado e crocante que lhe dá um bom toque salgado. Já as fatias de pão torrado podiam ser mais fininhas; e a cancha frita, que me tinha deixado encantado quando a provei na Cevicheria, estava muito menos estaladiça e ligeiramente farinhenta no interior.

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    Os pratos

    Eu sempre gostei da criatividade e do talento do chef Kiko, desde o divinal bife tártaro do Talho ao espectacular ceviche puro da Cevicheria. No Surf & Turf, encontra alguns dos óptimos pratos que são servidos noutros restaurantes seus. É o caso das incríveis ostras do Asiático (€12,70). Podem não ser originais, mas são divinais.

    O que lhe trazem para a mesa são cinco conchas com uma fabulosa espuma de ostras lá dentro – leve, quase ar, mas que consegue concentrar todo o inigualável sabor da ostra. Por baixo desta espuma, está escondido um suculento e delicioso tártaro de novilho coreano. A mistura da carne saborosa, macia e condimentada com a leveza da espuma de ostra é perfeita. Para finalizar vai encontrar uns agradáveis picles de pêra nashi (uma pêra asiática doce e consistente) que estão algures entre o doce e o avinagrado. 

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    O único problema desta maravilha é o preço: custa €12,70 e não é suficiente para o alimentar para o resto do dia. O ideal é ir com um casal de amigos e dividir as ostras como entrada. Eu dividi-as com a minha querida Mulher Mistério (que come quase tanto como um casal…) e depois pedi uma mini-sanduíche de barriga de porco e camarão (€8,40). Vem servida num delicioso e leve pão de batata doce que, para mim, já era suficiente para me animar durante as 24 horas seguintes. Mas há mais: por dentro está uma ultra-macia barriga de porco confitada que quase se desfaz na boca, um fininho, discreto e saboroso bife de camarão e uma agradável e fresca salada de rúcula, pimentos e cebola roxa. 

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    A sobremesa

    A culpa é minha: quem é que me mandou pedir um prato que orgulhosamente se apresenta como uma mistura de frutas e algas (€6,20)? Ainda se as algas fossem desidratadas… mas não: vêm marinadas, o que lhes dá um sabor avinagrado e uma textura viscosa. Senti-me quase como se estivesse a trincar aquelas entranhas de consistência duvidosa que minam o cozido à portuguesa. Mesmo a espuma de goiaba e o creme de yuzo, apesar de serem cremosos, têm um sabor demasiado exótico para mim.

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    O serviço

    No meio de todo aquele caos na esplanada, até que não funcionou mal de todo. Não se pode dizer que tenha sido rápido para um almoço a um dia de semana, mas também não foi um desastre. Entre o momento em que nos sentámos e aquele em que pagámos, passou uma hora e 20 minutos.

    Quando me sentei sozinho ao balcão, foi bastante mais rápido. De resto, os empregados foram educados e simpáticos. E até voluntariosos demais: da segunda vez, trouxeram o couvert para a mesa sem que pedíssemos e sem perguntarem se o queríamos.

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    As crianças

    Não tem menu infantil.

     

    O óptimo

    As ostras com tártaro

    O mau

    A confusão da esplanada

    O péssimo

    Cobrarem o couvert a duplicar para duas pessoas quando a quantidade é a mesma para uma

     

    Uma óptima esplanada para si onde quer que a confusão esteja,

    Ele

     

    fotos: o surf & turf; casal mistério

     

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