uma mercearia antiga em ponte de lima onde se come lindamente no meio de brinquedos e de anúncios da cérélac

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    Não há coisa que mais me enerve do que esta fatalidade do destino masculino: 99,9% das vezes em que eu escolho um restaurante desconhecido e Ela outro, Ela… digamos que… vou tentar dizer isto baixinho e rapidamente para não se perceber… (Ela… tem razão)

    Ok, já disse. E o mesmo costuma acontecer quando eu peço um prato e Ela pede outro. Parece que há uma força do Universo sempre do lado das mulheres e contra os homens. E foi isso que aconteceu, mais uma vez, em Ponte de Lima.

    Saídos de Caminha, à procura de um restaurante para almoçar, acabámos por ir até Ponte de Lima, a vila mais antiga de Portugal e seguramente uma das mais bonitas da Europa. À chegada, eu sugeri um restaurante ao pé do rio, Ela escolheu uma mercearia.

     

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    Uma mercearia para almoçar?! Mas quem é que se lembra de uma ideia tão estapafúrdia?!

    É claro que, entre o meu conservador bom senso e o arrojado estapafurdismo Dela, ganhou… Ela. Mais uma fatalidade do destino masculino: Elas fazem sempre o que querem.

    Munido da minha caneta Bic e do meu bloco Castelo, entrei na Mercearia da Vila pronto para anotar todas as minhas queixas. Mas, mal entrei, percebi que, mais uma vez, tinha sido esmagado.

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    O ambiente 

    A Mercearia da Vila é uma antiga mercearia com mais de 100 anos, totalmente restaurada. O balcão e os armários são anteriores a 1906, as balanças são autênticas relíquias e até o moinho de café antigo está exposto e restaurado. Dentro dos armários que cobrem todas as paredes da mercearia, há uma invejável colecção de brinquedos do tempo dos nossos avós: de carrinhos a aviões de corda, passando por caixas de música deliciosas. Nas paredes, há anúncios à papa Cérélac (do tempo em que ainda vinha numa lata) ou à “Novidade: a Super Farinha” Fortifex. Num canto, encontra um conjunto de latas, onde antigamente se guardava o chá, ou os magníficos chapéus de chuva de chocolate embrulhados em papel às cores.

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    Se descer as escadas, passa por um cofre antigo embutido da parede. No andar de baixo, a casa-de-banho tem um lavatório em pedra e, dentro dos armários, há embalagens de restaurador Olex, de pasta dentífrica Couto ou de sabonete Amorino. Tudo nesta mercearia é uma viagem no tempo. 

    Além disso, o espaço está mantido com um enorme bom gosto. No andar de cima, há um turismo de habitação que nós não visitámos. No rés-do-chão, a mercearia foi transformada numa sala de chá e num restaurante de petiscos, tostas e saladas aberto todo o dia.

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    Enquanto eu percorria cada canto da Mercearia da Vila embasbacado, Ela olhava de lado com um sorriso triunfal, como quem diz para dentro:

    – Eu não disse?

    Pelo menos, teve a decência de não verbalizar o triunfalismo…

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    O serviço 

    A gerir o espaço está um casal. Ele era filho do dono da antiga mercearia e orgulha-se de cada detalhe que conseguiu preservar. Enquanto lá está, controla o serviço com a mulher. Ao balcão, estava um dos seus filhos. Todos são de uma simpatia e de uma atenção sem limites. Além de terem um enorme prazer em mostrar tudo – desde os cartões de visita feitos no papel dos antigos embrulhos das compras até aos menus e individuais a reproduzirem as velhas folhas da contabilidade – sabem receber como se estivessem em casa. E, de facto, estão.

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    A ementa 

    É claro que entrámos às duas para petiscar qualquer coisa rápida e saímos quase às seis da tarde, almoçados, e com um saco cheio de brinquedos antigos para distribuir no Natal pela vasta Família Mistério (todos os brinquedos e as caixas de música estão à venda).

    fotografia 3.jpgEla pediu uma salada à mercearia (€4,50), feita com alface, rúcula, dois queijos (flamengo e feta), nozes e croutons. Estava óptima, mas eu dispenso os croutons – mais por uma questão de feitio do que por outra coisa qualquer. Não é seguramente por uma questão de dieta porque, enquanto Ela pediu a salada, eu pedi uma tosta de alheira com ovo estrelado, espargos e cogumelos (€5). A alheira estava simplesmente divinal!

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    É claro que isto para nós é quase uma entrada. Para aconchegar este pobre estômago, que cada vez mais parece o planetário, pedimos ainda uma tábua de presunto (€6) deliciosa e outra de queijos (€6,50), com quatro tipos de queijo diferentes, nozes e um pouco de doce de abóbora.

    fotografia 2.jpgPara acompanhar, ela arriscou pedir um copo de sangria de espumante (€1,50) que estava doce de mais (pelo menos, falhou em alguma coisa!) e eu pedi um copo do fabuloso vinho verde loureiro de Ponte Lima, colheita seleccionada. Ela acabou por desistir da sangria e o copo de vinho transformou-se numa garrafa (€8) para beber ali, e em mais seis para trazer para casa. Se não gostar de vinho, tem ainda boas cervejas artesanais.

    Acha que o nosso almoço acabou por aqui? Está muito enganado (ou enganada, a escolha é sua)! Com o café (€0,60), Ela insistiu em pedir uma tarte de pêra caseira (€0,80) e eu um copo de vinho do Porto reserva (€2), que foi a única coisa que ficou abaixo do limiar da maravilha.

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    As crianças 

    Um almoço na Mercearia da Vila é uma verdadeira aula de História multidisciplinar para os miúdos: desde as marcas à publicidade, passando pelos brinquedos ou pelo comércio de antigamente. E ir a Ponte de Lima não é só ir à Mercearia. A vila tem uma das mais fascinantes pontes romanas e está preservada com o cuidado e o encanto que a tornam um destino absolutamente indispensável. Por exemplo, ao atravessar a ponte vai ouvindo uma discreta música ambiente a sair dos candeeiros e, junto ao rio, pode ficar a conhecer a fabulosa história da invasão romana.

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    Ao chegarem à margem esquerda do rio Lima, em 135 a.C., os soldados romanos olharam em frente e ficaram deslumbrados. O local era tão bonito que acharam estar no rio Lethes, que se dizia que apagava toda a memória de quem o atravessasse. Pararam e recusaram-se a avançar. O comandante foi o único que arriscou fazer a travessia, sozinho. E os outros soldados só aceitaram avançar quando Décios Junos Brutos os chamou, um a um, pelo nome para provar que não estava amnésico.

    Eu não me vou esquecer tão cedo de nada disto: nem da vila, nem da Mercearia, nem do preço que paguei para comer tão bem.

     

    Boas memórias para si onde quer que esteja,

    Ele

     

    19 comentários em “uma mercearia antiga em ponte de lima onde se come lindamente no meio de brinquedos e de anúncios da cérélac

    1. Olá!
      Gosto muito do vosso trabalho e do humor que trazem à critica gastronómica!
      Passei só para dizer que o pão (delicioso espero) que comeram durante o vosso almoço, é confeccionado na Confeitaria onde trabalho já à 5 anos.
      Espero que tenham gostado tanto, como eu, já que as pessoas que trabalham na Mercearia são muito simpáticas e primam por manter a qualidade dos seus produtos.
      Um beijinho, de uma fã não misteriosa, mas que gosta muito de ler as vossas aventuras 😉

    2. É para perceber, Casal Mistério, que o que por cá dizíamos quando éramos adolescentes, é verdade, verdadinha: “O Minho é que é lindo!”
      Adoro Ponte de Lima, adoro a gastronomia minhota…mas não conheço a mercearia.
      Prometo que vou lá petiscar a alheira (adoro alheiras!) e ver os deliciosos brinquedos.
      Obrigada.
      E viva o Minho.

    3. Muito obrigado pela simpatia, Soraia. E muitos parabéns pelo pão: além de estar óptimo vinha para a mesa num maravilhoso saco de pano à antiga. Realmente o sítio é fantástico! E Ponte de Lima é uma vila imperdível! Parabéns e obrigado, Ele

    4. Belos tempos , quando ia à padaria (a mesma onde vou hoje) comprar o pão e trazê-lo no saco de pano.
      E o mais interessante é que decidi voltar ao meu tempo de menina e moça e começar a usar o saco de pano.
      Quando vejo os meus mini contentores da reciclagem cheios, pergunto-me como é possível “desperdiçar tanto papel e plástico.

      Bom domingo.

    5. Por falar em saco de pano, há tempo fiz um, em ganga, e não sei se o ponha à venda… ou a uso! falta-me rematar o local onde passa o fio… e colocar o dito! que às tantas vai ser em trapilho, tenho aqui uns quantos novelos (não muitos, são só 3) e ainda estou indecisa na cor…
      Falando em Ponte de Lima, já há bastante tempo que não vou almoçar lá. O meu pai era “cliente fiel” do “Encanada”, íamos sempre lá ao arroz de Sarrabulho. De cada vez que o senhor dava de caras com o meu pai, nem que esperássemos meia hora, mas recebíamos sempre o melhor arroz, feito na hora. ele dizia-lhe, em surdina, que ia sair fresquinho e o meu pai acenava e piscava o olho, como a dizer “percebi”. Claro que a minha mãe também percebia a mensagem, eu é que ficava sem entender o porquê da demora… (fiquei a entender, quando ele contou, em conversa com conhecidos, no Verão).
      Bem, o que sei é que em frente ao “Encanada” há um restaurante diferente, com pratos diferentes. Ainda falei nele aos meus pais, mas quando eles ouviram “fruta” e carne” no mesmo prato… torceram logo o nariz! A começar pelo meu pai, que nunca foi adepto dessas “modernices”. (Nunca soube o que perdeu! Às vezes vale mais a fruta do que o arroz).
      E agora espero que tenha valido a pena a vossa ida a Ponte de Lima; pelo menos pelas fotos, só posso dizer uma coisa: KIM BEJA!

    6. Já aqui estive e atesto o conteúdo deste post apesar de ter degustado outras iguarias. O espaço é fabuloso, o atendimento excelente e é espantoso como consegue fazer-nos avivar algumas memórias de infância que julgávamos para sempre perdidas no tempo!

    7. Descobri hoje o vosso blog e fiquei derretida com as receitas, a forma como descrevem os locais por onde passam e pela forma como falam um do outro. Adoro o vosso bom humor.:)
      Ponte de Lima é a terra onde nasci e cresci, a mercearia é sem dúvida um espaço muito simpático.

    8. Decepção completa. Não tinham quase nada da carta. A salada que pedi e pequeníssima mas estava saborosa. Crepe de alheira bom mas apenas como entrada, limonada péssima. Tenho pena pois com o vosso post fiquei com uma expectativa muito alta.

    9. Com família em Lisboa a viver bem junto ao local da Feira do Livro, a sobrinha que me convidou para ver a participação do seu grupo na “Mostra Nacional de Ciência”no Museu de Eletricidade, não me foi possível ir, como esperava, neste fim de semana, e com uma vontade terrível de sair da cidade, lembrei-me de Ponte de Lima, aqui tão perto e do Festival Internacional de Jardins, que começou ontem.
      Lembrei-me de vós e de um lugar,nesta linda vila, onde comeram quando por lá passaram.
      Entrei aqui no vosso blog e pesquisei ali, no vosso canto direito e, bingo!
      Já registei o nome da Mercearia da Vila para passar por lá e lanchar algo de bom…Quem comigo vai, gosta destas coisas, também.
      Nem imaginam o quanto penso em vós e nas vossas sugestões.
      Um ótimo fim de semana.

    10. Olá, eu não sou de Ponte de Lima, mas visito a vila com muita frequência e adoro. E como gostei do vosso texto, gostaria só de dizer, quanto à Mercearia, que as torradas com os doces da casa (todos os que já experimentei adorei) são realmente muito boas, ótima opção para lanche, acompanhadas com sumo de laranja natural ou um chá, são as minhas sugestões.
      Quanto a restaurantes, O Confrade será sem dúvida das vossas melhores opções. Já lá fui diversas vezes, é excelente, e fazem um ótimo Sarrabulho, e o leite creme é muito bom. Aproveitam a vista magnífica para o Rio Lima e ainda fica à entrada da avenida dos Plátanos que é maravilhosa para passear.
      Fica a dica ;).

    11. Boa tarde,
      Obrigado pela bonita descrição de Ponte de Lima. No próximo semana vamos em família para esta zona (2 adultos e 2 crianças (4 e 12 anos). O que nos aconselham nesta zona e arredores?

      Obrigado.

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