a melhor taberna alentejana de lisboa

    Foram 1.641 passos. Todos a subir. Para mim é duro, para a minha querida Mulher Mistério é a subida da Senhora da Graça. O caminho do nosso carro até ao restaurante Taberna do Calhau, em Lisboa, está quase ao nível de uma escalada.

    Eu compreendo que é cativante abrir um restaurante na Mouraria. O lugar é carismático e a zona é linda. Mas em tempos de Covid, em que eu fujo de táxis e Ubers como o António Costa foge de perguntas sobre apps nos telemóveis, começar um jantar com uma prova de montanha é algo arriscado.

    O que vale é que a minha querida e preguiçosa Mulher Mistério é capaz de fazer tudo por comida. E quando percebeu que ia provar um divinal paté de tremoço, as órbitas saltaram dos seus olhos como se fosse o Mr. Magoo a experimentar uns óculos novos.

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    O ambiente 

    A Taberna do Calhau é uma tradicional tasca portuguesa sem pretensões de nouvelle couisine mas com a criatividade de um Guia Michelin. A sala é o retrato perfeito da tasca, com fotografias a preto e branco nas paredes, utensílios de cozinha e malas antigas nas prateleiras, mesas de pedra e bancos de madeira para não deixar ninguém demasiado confortável. Para quem já está em idade de sofrer das cruzes, há umas cadeiras, mas também de madeira e sem almofadinha para não se habituar mal.

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    A ementa 

    A cozinha apresenta uma ementa de receitas tradicionais com variações sempre surpreendentes e improváveis que, algumas vezes, me deixaram tão feliz como Marcelo Rebelo de Sousa cada vez que tira a camisa. E foi esse o caso do paté de tremoço.

    Essa pequena maravilha da gastronomia não é mais do que tremoços finamente picados até atingirem a divinal consistência de um creme. Mantém todos os inacreditáveis sabores de um prato de tremoços, mas com uma textura macia, cremosa e suave. 

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    Só por si isto já seria delicioso, mas a coisa melhora bastante porque o paté de tremoço vem por cima de uma cremosíssima e deliciosa sopa de camarão (€6). Trata-se de um bisque suave, com um intenso sabor a mar, que combina na perfeição com o paté. Tudo na sopa está convertido num creme aveludado e os únicos minúsculos pedacinhos que consegue trincar são os últimos vestígios dos tremoços triturados.

    Único defeito (que se estende a alguns outros pratos): uma única sopa não chega para partilhar. E, depois de termos dividido a primeira, na esperança de sermos um casal civilizado, não resistimos a pedir a segunda. 

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    O couvert 

    O bisque de camarão e tremoço veio depois de termos aberto as hostilidades com um fantástico pão alentejano, denso e com a côdea bem estaladiça, que veio acompanhado por um magnífico pratinho de azeite (€3). Para acabarmos o couvert, pedimos ainda um queijo fresco de Serpa temperado com azeite e orégãos (€2). O queijo estava delicioso, mas antes de se entusiasmar com os preços, convém esclarecer que “um queijo” é uma força de expressão porque o que veio para a mesa foi uma pequena fatia de queijo fresco que desapareceu enquanto eu olhei para o relógio.

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    Os petiscos 

    Nós começámos pelos frios, com um simpático brioche com cara de hambúrguer mas cabeça de xara (€9). No fundo, é uma fabulosa sanduíche que junta o sofisticado e adocicado brioche com a tradicional e salgada cabeça de xara (uma espécie de terrine feita com as partes moles da cabeça do porco: carne, pele e cartilagens cozidas). Eu que não sou grande fã da consistência levemente esponjosa da cabeça de xara, gostei desta versão mais macia e acompanhada por um fantástico molho de mostarda.

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    O jantar saltou para um nível sobrenatural com o prato seguinte: umas estratosféricas iscas. Mais uma tradição portuguesa que eu acho demasiado pesada e intensa mas que, na Taberna do Calhau, é apresentada de uma forma surpreendente, leve e equilibrada. As iscas são cortadas em finas tirinhas e tostadas na grelha (ganhando uma deliciosa crosta exterior), antes de serem finalizadas num extraordinário e levemente adocicado molho feito com os sucos da carne, cebola laminada e umas deliciosas uvas pretas.  

    Se imagina as iscas indigestas e carregadas de alho, como são servidas em 90% dos restaurantes de Lisboa, tem de provar esta maravilha fresca e leve da Taberna do Calhau. 

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    Os pratos principais 

    Foi neste estado de contemplação que chegámos aos pratos principais: uma aba de vaca velha que é cozinhada a baixa temperatura e que se desfaz na boca como se fosse leitão (€15) e uma Alentejaninha (€13) que é uma fantástica recriação da tradicional Francesinha. Não leva Vinho do Porto, mas leva uma deliciosa adaptação do famoso molho feita com enchidos alentejanos e um vinho licoroso da região. No centro do prato, em vez de estar a célebre sanduíche de linguiça, fiambre e queijo derretido, estão umas divinais bochechas de porco preto grelhadas. E, claro, uns poejos para não nos esquecermos de que estamos numa taberna alentejana.

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    Tudo isto foi acompanhado por uma deliciosa mas nada barata salada que misturava três tipos diferentes de tomate bem temperados (€9) e por uns simpáticos e não menos caros brócolos grelhados com pasta de pimentos (€9).

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    As sobremesas 

    Para acabar uma refeição numa taberna alentejana, ou temos encharcada ou não temos nada. E como as sobremesas se resumiam a pudim, maçã assada e requeijão, fomos para a melhor alternativa: uma combinação de queijos. Primeiro chegou uma dose de Queijo da Serra temperada com orégãos e azeite (€8) que não achei nada de especial. Depois pedimos uma tábua de queijos (€15) com uma selecção de queijo curados. Não surpreendeu, mas sempre foi uma boa desculpa para pedirmos mais uma garrafa de vinho.

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    O serviço 

    O serviço foi sempre rápido e simpático. Mesmo quando o restaurante fechou e os empregados saíram, o dono deixou-nos ficar a acabar a garrafa de vinho enquanto arrumava as coisas, como se se tratasse de uma verdadeira taberna alentejana. Tudo foi perfeito – com excepção do nome do restaurante.

    O objectivo desta noite era conhecer o novo restaurante do chef Leopoldo Calhau. Chama-se Bla Bla Glu Glu e é um bar de vinhos com petiscos típicos do Alentejo. Liguei para o restaurante, marquei uma mesa, confirmaram-me tudo e meti-me no carro a caminho da morada indicada. Quando chegámos ao local, entrámos na única porta aberta, sem qualquer indicação de qual restaurante, demos o nome em que tínhamos feito a reserva e levaram-nos à mesa guardada.

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    Só passados uns segundos, percebi que afinal estava na Taberna do Calhau. O dono é o mesmo e, no próprio dia, decidiu passar as reservas do Bla Bla Glu Glu para a Taberna do Calhau e deixar o primeiro restaurante fechado. 

    No fundo, é como marcar um jantar com uma amiga morena e aparecer a irmã loira. Pode ser uma companhia fantástica, um jantar delicioso e até na melhor taberna alentejana de Lisboa – mas não foi bem aquilo que tínhamos programado.

     

    O bom 

    A decoração e a comida em geral

    O mau 

    O preço de alguns pratos, como a salada de tomate ou os brócolos grelhados

    O óptimo 

    A sopa de camarão com creme de tremoço e as iscas com uvas

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que o Bla Bla Glu Glu esteja,

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    fotos: taberna do calhau; casal mistério

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
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    Taberna do Calhau

    Largo das Olarias, 23, Mouraria, Lisboa

    De 4ª a domingo, das 19h às 00h

    Tel: 215 851 937

     

    Um comentário em “a melhor taberna alentejana de lisboa

    1. Alguns dos preços, como por exemplo a salada de tomate, os bróculos e o que parece ser uma mínuscula fatia de queijo fresco quase que me fazem chorar de tão exagerados que são!
      Nascida e criada em Évora acredito que mesmo com a deslocação de Évora-Lisboa provavelmente tinha ficado mais barato jantar por cá XD E poderíamos também comer queijo fresco (que vá-se lá perceber mas no Alentejo é servido inteiro) sem termos de “brigar” com o vizinho por um pedaço. Essa de mudarem de um restaurante para o outro é só a cereja no topo do bolo…

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