as festas de fim de ano há 100 anos

    Confesso que, com o passar dos anos, a nossa festa de réveillon preferida é em casa, à frente da lareira, a comer bem e a beber melhor, ao lado de um grupo de amigos. Já não temos paciência para aquelas festas em discotecas com filas maiores do que as do Ramiro à hora do jantar, seguranças que são potenciais homicidas e miúdos pouco mais velhos do que os nossos Mini-Misteriosos a disputarem um lugar no balcão para pedirem um gin. A idade não perdoa…

    Screen Shot 2014-12-31 at 9.35.46 AM.png

    Agora se vivêssemos nos anos 20, aí sim, acho que não perderia um programa. Não sei se são aquelas franjas ou os sapatos de sapateado da época, mas aquela década fascina-me. Adorava ser o grande Grande Gatsby, mas infelizmente nasci na era do Pequeno Saúl. Por isso, resolvi vestir o meu fato (com respectivo colete, como é da praxe) ao estilo do saudoso José Hermano Saraiva e fui tentar descobrir como se passava o ano nessa época.

     

    1 (9).jpg

    As festas eram de arromba, sobretudo as das elites. E, pouco depois do final da I Guerra Mundial, cheias de excessos. Sabia, por exemplo, que as 3h da manhã era chamada A Hora da Cocaína? Até pelos jornais da época? Era a essa hora que os clientes começavam a consumir a droga impunemente. Às vezes, as brigadas da polícia entravam nos clubes lisboetas para controlar o consumo. Mas os jornais da época, como o Diário de Lisboa, falavam de uma enorme cumplicidade entre os clientes e os polícias. Por um lado, havia “caixinhas” com droga que acompanhavam a toilette das “mulheres modernas” (parece que a cocaína chegou ao País pelas mãos de uma francesa); por outro, um cavalheiro da alta sociedade trazia “sempre uma pitadinha de coca para si e para os amigos”.

    Normalmente, toda a gente sabia dos raides com antecedência e limitava-se a guardar a droga no bolso enquanto continuava a dançar alegremente até o sol nascer. Só em 1926 é que o controlo da polícia contra a cocaína se intensificou ligeiramente. Mas o consumo entre a alta sociedade manteve-se.

    215e86d66e67cd4163e7dd96dc48b8ad.jpg

    Em Outubro de 1926, a PSP mandou afixar, à porta dos clubes, uma lista que supostamente proibia os alegados viciados de lá entrarem. Mas, mesmo assim, a medida foi ridicularizada nos jornais: “Só a algumas pessoas se proíbe a entrada nos clubes, os cocainómanos riem a bom rir das medidas de repressão da polícia”.

    9f5eb0e074d4f576639254729a40fe1f (1).jpg

    Se houvesse alguém que não quisesse consumir cocaína, também havia comida, bebida e muita dança. Em vez de filas para entrar em festas guardadas pelos bisavôs dos actuais porteiros do Urban, nos anos 20 havia anúncios publicados em jornais como o Diário de Lisboa. Tudo em francês para se tornar mais chique: o Ritz Club anunciava o seu Réveillon du Nouvel An Bal Masqué, o Avenida a Grande Fête de Nuit Souper Dansant, com uma actuação dos Los Reys del Tango e com direito a brindes e a surpresas para todas as senhoras. O Monumental e Bristol Club, que enchiam todos os dias, também prometiam dancing noite fora e o primeiro tinha uma atracção nova: uma cabine de luzes que todos os dias era ocupada por um mestre electricista e que oferecia efeitos luminosos aos clientes. 

    e20e4e35754c2c8a0313017a5c38e94b.jpg

    Em 1927, há precisamente 90 anos, a festa mais badalada do País foi a do Grande Casino Internacional do Monte Estoril, um dos poucos sítios onde o jogo era legal (em permanência só mesmo ali e na Madeira), apesar de em todos os outros clubes se jogar como se não houvesse amanhã. O edifício foi entretanto demolido para dar lugar a um dos prédios mais feios da região (e arredores): o Hotel Estoril Éden. 

    10471262_798624130179441_4332712492925858510_n.jpg

    Mas voltando ao “Sensacional Revéillon”, como foi anunciado: as grandes famílias do Estoril, Cascais e Lisboa correram em massa até aos escritórios da Garrett, em Lisboa (ainda antes de ter nascido a Garrett do Estoril), para reservar mesa. Algumas chegaram de carro (já havia 13 mil no País) ao Casino, outras de comboio – a linha de Lisboa-Cascais tinha sido inaugurada um ano antes da festa e o anúncio do réveillon até indicava os melhores horários, um verdadeiro serviço público na era pré-Internet.

    Foi nesse 31 de Dezembro que actuou a Orquestra Negra de Chicago, o primeiro grupo norte-americano de Jazz a pôr os pés em Portugal, e que o Diário de Lisboa descrevia como “12 negros com as suas originais músicas, danças e canções americanas”.

    529958_499024186806105_508408585_n.jpg

    “Excedeu toda a nossa expectativa”, revelaria dias depois um entusiasmado repórter da Capital: Diário Republicano, “tendo perto das três horas chegado a atingir o delírio”. E o delírio incluiu serpentinas atiradas de mesa em mesa, “explêndidos números de variedades no intervalo das ceias” (incluindo o show da Olga, uma dançarina latino-americana) e um concurso de toilettes que rendeu às duas vencedoras uma “artística boneca em biscuit” e uma “lindíssima caixa de pó de arroz em louça”.

    14088_505655216143002_101753082_n.jpg

    Parece que se dançou até às 6h da manhã e que, no dia seguinte, a mesma orquestra garantiu mais um baile até às 20h. A animação foi tanta que um grupo de mulheres (são sempre elas, não é?) pediu à direcção para passar a organizar ceias americanas no Carnaval. O menu, preparado pela Garrett, tinha de ser em francês, como convinha na época. Ora espreite aqui.

    19598891_1590713757637137_1210120434511291138_n.jpg

    Traduzindo: uma espécie de caldo de galinha, linguado, vitela com cogumelos, couve-flor gratinada, peru recheado com castanhas e um cabaz de frutas da época. No Ritz também houve consommé, linguado, peru e cogumelos. Tudo pratos da moda (tal como o bife, geralmente com ovo a cavalo, que, nos anos 20, saltou dos clubes para as casas portuguesas). O espumante, champanhe nos clubes mais sofisticados, já estava na moda e o brinde da meia-noite também era, e bem, uma tradição. Tal como o bolo-rei (nem os anos 20 nos salvaram dele…). 

    207296_507514609290396_1565148930_n.jpg

    Agora é só escolher como quer entrar em 2018? À moderna ou à anos 20? Se calhar, sem cocaína…

     

    Uma boa passagem de ano para si onde quer que a festa esteja,

    Ele

     

    fotos: pinterest e real villa de cascaes

    3 thoughts on “as festas de fim de ano há 100 anos

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *