cantina da estrela, o restaurante em que você decide quanto paga

    Prepare-se: esta vai ser uma refeição arriscada.

    Arriscada?

    Não. Arriscadíssima. Na Cantina da Estrela, os cozinheiros, os empregados e todos os funcionários são estudantes da Escola de Turismo.

    Como é que é, estudantes, alunos, amadores, o contrário de profissionais?

    Sim, sim, sim e sim.

    Mas isso é trágico…

    Nem sempre. Normalmente quando o Anthímio de Azevedo anunciava uma tempestade tínhamos um dia razoável e quando o Costa Alves previa um dia de praia acabava por chover. Aqui foi igual. Tudo previa uma tragédia e no entanto…

    O serviço

    Prepare-se novamente: os empregados têm borbulhas, voz ainda em falsete e uns pelos na cara a que seria um exagero chamar barba. Desgraça? Antes pelo contrário. Têm a disponibilidade de uma criança e a vontade de mostrar serviço de um adolescente. Resultado: trabalham, ajudam, sorriem e tentam servir de forma exemplar. Não têm as manias dos empertigados nem a sonolência dos acomodados. Fazem uma coisa que não se vê frequentemente nos restaurantes hoje em dia: andam pela sala com a cabeça levantada e os olhos atentos. Não fazem questão de se focar num ponto imaginário no horizonte para tentarem não ver quem os está a chamar. Mas não cometem erros? É claro que cometem, tal como todos nós cometemos. Mas trabalham bem e, mais importante ainda, têm vontade de trabalhar – o que, para mim, faz toda a diferença.

    Houve uma troca num acompanhamento que pedimos e uma situação ligeiramente surreal no início: quando chegámos e vimos o drama que é arrumar o carro numa rua de sentido único entalada entre as Amoreiras e a Estrela – e visto que o restaurante fica num hotel – estacionámos à porta e perguntámos na recepção se podíamos deixar ali o carro e a chave:

    – Não!

    Não foi “pedimos desculpa, mas é mesmo impossível”, nem “lamentamos, mas não pode ser”. Foi simplesmente “não” com ponto de exclamação. E só quando eu mostrei o meu olhar incrédulo nº 123 e perguntei se não havia uma solução, visto que era impossível arrumar ali, é que me disseram aquilo que deviam ter dito quando fiz a reserva:

    – Pode deixar no nosso parque.

    Obrigado por terem avisado que tinham um parque. Mas depois de uma rua inteira em marcha atrás, o problema resolveu-se e a questão explicou-se: não foi má vontade nem arrogância, foi apenas a incapacidade de manter um diálogo simpático com um cliente. Acontece a quem está em princípio de carreira.

    E aqui, na Cantina da Estrela, isso paga-se – literalmente. Quando vem a conta, você é que decide quanto quer pagar. Tem um valor mínimo e outro máximo para cada prato e para o serviço e decide quanto é que cada uma das coisas valeu para si. É uma óptima maneira de jantar por uma tuta e meia? Não. É uma inteligente forma de lhe cobrar mais. Perante a dúvida, e visto que o serviço foi simpático e atencioso, vai ter a tendência para pagar o valor intermédio de cada fracção. O problema é que tudo somado – e o normal é que os clientes não tenham paciência para fazerem a soma – dá quase 50 euros por pessoa. E isso é demais.

    O ambiente

    A decoração é simples, despretenciosa e confortável. Mistura cadeiras modernas com móveis e objectos antigos. Tem uma boa iluminação e uma péssima sonorização. Resumindo: parece uma cantina, o que é giro; mas tem o barulho de uma cantina, o que é trágico. No entanto, tudo depende do espírito com que vamos para a empreitada. Como nós estávamos à espera da tempestade do Anthímio de Azevedo achámos que um dia de sol era um dia de Verão. E foi óptimo.

    A ementa

    O couvert é bom: tem variedade de pães, boa manteiga e uma surpresa, que, no nosso caso, foi um shot de sopa de abóbora.

    As entradas estavam óptimas. Eu comi uma vichyssoise com figos secos e batata doce fria, que tinha só um problema: grossa demais. Ela comeu um carpaccio de rosbife com rúcula, que vinha com um molho fantástico por cima. 

    A seguir, eu escolhi o “borreguinho que se desfaz na boca”, que tinha um problema: ao contrário do restaurante que promete pouco e surpreende, o borrego promete muito e desilude. Estava bom, era saboroso, mas – lamento – não se desfazia na boca. E o que está na descrição é para cumprir.

    Ela pediu um salmão com sésamo e migas de chouriço e espargos. O salmão estava óptimo, mas as migas afinal eram um risotto de ervilhas que, por acaso, também não estava nada mal.

    Para acabar, Ela entrou em dieta e eu comi um gelado de salame de chocolate com mousse de chocolate, o que é um enjoo irresistível: especialmente os bocadinhos de salame que vai encontrando no gelado.

    No final, pagámos? Não. No final, bebemos ainda um vinho do Porto com o café. E depois pagámos. Foi bom. E vamos voltar. Mas desta vez, directos para o parque.

     

    O óptimo

    O serviço

    O bom  

    A comida

    O mau

    O barulho

     

    Uma boa semana para si, onde quer que esteja,

    Ele

    7 comentários em “cantina da estrela, o restaurante em que você decide quanto paga

    1. Fui lá pouco tempo depois de abrir, por ficar na antiga Escola Secundária Machado de Castro, onde estudei 6 anos, e a experiência foi boa, mas não espectacular. Não por causa do serviço, mas sim pela comida servida, que não era extraordinária. Coincidentemente, ou não, também tive uma situação peculiar com o estacionamento. Não é fácil estacionar ali, e sei bem por ter lá vivido 23 anos.

    2. Que coincidência! Ainda no sábado publiquei o artigo com as fotografias do nosso jantar da semana passada aí, na Cantina. Tínhamos reserva e era quarta. dia dois. Um dia especial para ambos. Talvez por isso mesmo, guardamos na memória um serão perfeito, onde as entradas eram divinais, o borrego se desfazia mesmo na boca, o lombo era delicioso e ainda mais delicioso era o crumble da sobremesa. Tudo brindado com um copo de vinho (só um, que estávamos de carro e a quinta seguinte avizinhava começar cedo e trabalhosa! O preço do copo é que nos surpreendeu por ser um pouco mais do que aquilo que estaríamos dispostos a pagar por um copo. Mas era um dia especial!)

      Como fomos cedo, sendo 18h45 estacionámos o carro no ínicio da rua sem problemas e sem pagar parquímetro (visto este terminar às 19h). Fomos andando para o Hotel e ficámos na esplanada – sorte que estava um final de tarde bonito! Jantámos também relativamente cedo e tivémos o restaurante só para nós, num aconchego intimista que nos fez sentir muito bem vindos! Depois, como gentileza e por não ser uma noite de muito movimento, levaram-nos a conhecer os quartos e as suites, onde desejámos muito ficar na noite. Mas terá que ficar para outra altura!

      E é assim que recordo a Cantina da Estrela, agora novamente lembrada com este vosso artigo!

      Um beijinho, Sara ♥
      Little Tiny Pieces of Me (https://littletinypiecesofme.blogspot.pt/)

    3. Existem muito bons restaurantes em Lisboa (Cantinho do Avillez, Largo, Avenue, Alma e Belcanto), mas também tinha curiosidade em ler a vossa opinião sobre o Mandarim, no Casino do Estoril, onde a comida servida é a mais aproximada com a verdadeira cozinha chinesa, e sobre o restaurante A Maria, no Alandroal, onde vou com frequência desde 1993, ano em que abriu.

      Dos restaurantes que ainda não visitei, aquele sobre o qual tinha maior curiosidade era a Fortaleza do Guincho.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *