ceviches, risottos de quinoa, espumas de ostra: fomos jantar à nova cevicheria e adorámos

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    Quando entrei na nova Cevicheria, em Lisboa, e, ao olhar para o tecto, vi que estava ali um polvo gigante pendurado à minha espera, senti-me o Capitão Nemo a ver pela primeira vez a lula astronómica que queria engolir o Nautilus. Não é fácil lidar com esta atracção que o chef Kiko Martins tem pelos filmes e séries de aventura: no Talho, há empregados com os intercomunicadores no ouvido à Star Trek; na Cevicheria, temos um polvo saído das 20 Mil Léguas Submarinas. No entanto, para provar as especialidades do chef Kiko, eu até era capaz de descer as cataratas do Niagara vestido de Pocahontas (estava a brincar, esqueça lá isso da Pocahontas, ok?).

    A cozinha de Kiko Martins é uma das cozinhas que me dão mais prazer em Lisboa. Não é que seja a mais sofisticada nem a mais requintada, mas é seguramente uma das mais apaixonadas. E isso conta muito. Por isso, escolhemos a nova Cevicheria para cumprir a nossa primeira resolução de 2015.

     

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    O ambiente 

    A primeira coisa que se vê neste restaurante T0, onde não cabem dez clones do Bruno Nogueira deitados ao comprido, é um enorme balcão. A segunda é o chef Kiko. Sempre em modo-Usain Bolt, ele dá indicações, corta o peixe, pica as ervas, prepara os ceviches, fala com os clientes, explica os petiscos e até limpa os pratos antes de serem guardados. Não pára. E tudo isto com boa disposição, boa vontade e boa onda que tornam o restaurante num sítio onde apetece estar.

    Apesar de pequeno (e do polvo do Capitão Nemo), o espaço está bem aproveitado. Um enorme espelho que cobre a parede junto à única fila de oito mesas dá uma sensação de o restaurante ter o dobro do tamanho. Só se percebem verdadeiramente as limitações quando se pede um cabide para pendurar um casaco e ele não existe (“Pedimos desculpa, mas não temos espaço”) ou quando entramos na casa-de-banho e temos de encostar o ombro à parede para conseguirmos abrir a porta.

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    Tirando isso, o restaurante é óptimo: muita luz (branca e com uns recantos amarelados), boa música (Bossa Nova, até na casa-de-banho) e alguns detalhes de decoração maravilhosos (a colecção de jarros e frascos por trás do balcão, o chão em azulejos, os elegantes sinais nas portas da casa-de-banho ou as mesas e cadeiras todas brancas). Até os vidros para a rua cobertos de preto com uns recortes de uns patos voadores (ou qualquer outra ave indecifrável) deixam entrever o interior sem exporem demasiado os clientes. Mas o melhor da Cevicheria é claramente…

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    …a ementa 

    Aqui come tudo o que de melhor existe na cozinha peruana. Sempre com um toque de experimentalismo. Quase tudo é óptimo, praticamente tudo é surpreendente.

     

    O couvert 

    As surpresas começam aqui. Para a mesa vem uma manteiga preta preparada com tinta de choco que é deliciosa e um dip de tomate onde pode molhar cada um dos três tipos de pão que lhe trazem: um pão de milho feito no restaurante, um pão branco torrado e uma tortilla muito fininha que é simplesmente divinal. E se acha que isto é tudo, vai ter uma apoplexia quando lhe chegar à frente a cancha. Como é que é? La cancha. Eu traduzo: estamos a falar de um milho peruano com umas bagas muito maiores do que as nossas e que aqui é servido tostado na frigideira com um pouco de sal. Nada a ver com esse milho frito horrível que se compra em pacotes no Continente. A cancha é menos rija e tem um sabor bastante mais suave. É claro que tivemos de pedir um reforço do couvert, que simpaticamente não foi incluído na conta. Ela passou o jantar inteiro a picar cancha (confesso, eu também um bocadinho).

    A acompanhar o couvert (€2,50), pedimos dois copos de pisco sour (€7,50 cada), um cocktail feito com a aguardente típica do Peru, sumo de lima, clara de ovo, xarope de açúcar, gelo e especiarias. Eu gostei, Ela nem tanto. Mas reconheço que não é uma bebida fácil. Para quem gosta de sabores ácidos como eu, está óptima; para quem gosta de bebidas pouco doces como Ela, nem tanto. Por mim, é uma óptima solução para acompanhar o couvert. E depois, vinho ou espumante.

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    Os pratos 

    Nesta fase, tal foi a sofreguidão com o couvert, confesso que já estava jantado de tortillas e manteiga de choco. Mas não foram mais dois furos no cinto que me intimidaram. Acompanhados da metade mais velha da nossa equipa de futsal (desde que fomos ao Talho que eles sonhavam com o chef Kiko), atirámo-nos de cabeça para todas as outras maravilhas que nos esperavam. E partilhámos tudo, claro.

    Mas o melhor é fazer esta parte do texto em crescendo, como um foguetão a caminho da Lua. Nós começámos pelas empanadas (€5,30). E foi claramente o que menos me convenceu. Feitas com carne de novilho, maionese de lima e gengibre, a empanada não deixa de ser um pastel. Aqui a massa vem crocante, sem gordura a mais e com um recheio saboroso, mas para mim um pastel será sempre um pastel. E não é por acaso que eu chamo isso aos mini-misteriosos cada vez que se começam a arrastar em casa com os trabalhos de casa à frente.

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    Enquanto eu ainda pensava em pastéis e pastelões, chegou à mesa um magnífico ceviche de salmão (€9,80). Feito com um peixe saboroso, trazia também milho e pequenos cubos de manga e hortelã que contrastavam muitíssimo bem com a acidez da laranja. Mas o melhor deste prato é o leite de tigre, uma mistura de sumo de lima, caldo de peixe e aipo que serve de base aos ceviches peruanos. Inventado na América Latina, quando os espanhóis trouxeram para o continente o hábito árabe de cozinhar a fruta, o ceviche é feito com peixe cru curado pela acidez da lima. Uma verdadeira delícia que aqui ainda iria melhorar com o prato seguinte.

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    Depois do ceviche de salmão, chegou o ceviche puro (€11,80). Também com leite de tigre, é feito com o peixe branco do dia – no nosso caso era uma óptima garoupa. Depois leva cebola, algas e um magnífico puré de batata doce – leve como espuma para a barba mas suficientemente consistente para satisfazer estômagos mais carentes como o da minha querida Ela. É uma das melhores surpresas da noite, especialmente para mim que sou obcecado com batata doce.

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    Ultrapassados os ceviches, chegou a causa. A causa é uma salada peruana feita em camadas que intercalam alguns ingredientes com purés feitos com diferentes tipos de batata. A tradição manda que se faça a causa de véspera para deixar apurar os sabores e para enrijecer ligeiramente os purés.

    Aqui não sei sinceramente se a tradição é seguida, mas o puré era consistente como deveria, o que para o meu gosto esquisitinho foi demais. Nós pedimos uma causa de lavagante (€14,60) feita com (surpresa!) lavagante, galinha, puré de batata e abacate.

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    Finalmente, chegou a delícia a que não deve mesmo fugir: o quinoto. E prometo que não o vou maçar com mais explicações e tradições estilo José Hermano Saraiva. Vou só dizer-lhe que é um delicioso risotto feito com quinoa e servido num simpático tachinho. Primeiro provámos o quinoto de polvo (€12,80) acompanhado com finíssimas e crocantes fatias de presunto pata negra e umas fantásticas ervilhas tortas. Eu que não sou muito apologista de ervilhas, adoro ervilha torta. Tem um sabor mais suave e doce do que a ervilha comum e pode ser comida com a vagem. Uma verdadeira delícia!

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    Mas o melhor chegou no fim. O quinoto do mar (€13,60) é feito com quinoa, camarão, berbigão, mexilhão, peixe, algas kombu e uma brilhante espuma de ostras. Além dos sabores serem todos magníficos, a combinação da cremosidade da quinoa com a suavidade da espuma é arrebatadora. Mas como já pareço a Isabel Queiroz do Vale a falar de suavidade e cremosidade, o melhor é calar-me e passar para…

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    …As sobremesas

    Para acabar tudo isto em beleza pedimos um chocolate das Américas (€5,30), com chocolates em forma de bolo, de creme, de areia e de crocante, que estava muito bom e um dulce de leche, piña colada (€5,30) que só pelo facto de estar escrito em espanhol já me tinha conquistado. Mas, depois de comer esta torta recheada com doce de leite, acompanhada com creme de coco e abacaxi caramelizado com rum, ainda consegui perceber que tinha escolhido a sobremesa perfeita para acabar uma refeição tropical e tipicamente sul-americana. Gostei tanto que acabei também a comer as flores com pétalas roxas que estavam no prato.

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    O serviço 

    A paixão que Kiko Martins coloca na cozinha estende-se também ao serviço. O empregado que nos atendeu fez questão de explicar tudo com um entusiasmo contagiante. Deu sugestões, esclareceu dúvidas e até sugeriu a ordem ideal para servir os pratos. Aliás, sendo este um restaurante para partilhar vários pratos, tem uma característica fundamental: os pedidos vão chegando à medida que nós os vamos acabando. Não se comete aqui aquela terrível provocação habitual em alguns restaurantes de petiscos de encherem a mesa com tudo o que pedimos de uma única vez – e agora despachem-se a comer para não ficar frio.

    Na Cevicheria não há pressões para ninguém se despachar. Mesmo com os miúdos, ficámos cerca de duas horas à mesa – sempre a comer. Ah, coisa boa!

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    As crianças 

    Além de não ter menu infantil, o restaurante é muito pequeno. Serve para adolescentes que gostam de estar sentados à mesa, não é o sítio ideal para miúdos pequenos.

     

    O bom 

    A decoração (mesmo com o polvo do capitão Nemo)

    O mau 

    O espaço das casas-de-banho e a falta de um sítio para pendurar os casacos

    O óptimo 

    A comida, especialmente os ceviches e o quinoto do mar

     

    Um abraço para todos os peruanos onde quer que eles estejam,

    Ele

     

    fotos: a cevicheria

     

    2 comentários em “ceviches, risottos de quinoa, espumas de ostra: fomos jantar à nova cevicheria e adorámos

    1. É verdade. É pena não aceitarem reservas. Nós tivemos sorte. Esperámos só dez minutos enquanto nos preparavam um pisco sour porque apanhámos uma mesa mesmo a sair. Se quiser arriscar, é melhor tentar a um dia de semana. E ir cedo ;).

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