Há restaurantes para onde convém levar sempre uma camisolinha às costas por causa do frio; outros onde não se pode entrar sem um leque por causa do calor. No El Clandestino, não se esqueça de levar o megafone. Isto se quiser conviver verbalmente com os seus companheiros de mesa sem mal-entendidos. Entre música, gritos e gargalhadas das mesas à volta, fica difícil proferir qualquer palavra sem acabar a noite a falar como o Marlon Brando, no Padrinho.
Desde que abriu, em Novembro de 2015, que o El Clandestino se tornou um dos restaurantes mais procurados do Bairro Alto, em Lisboa. E isso tem consequências – o barulho e a confusão – mas também tem causas. E é para falar delas que estamos aqui hoje.
O ambiente
Primeiro o espaço. Valeu a pena ter esperado seis meses e ter sobrevivido a quatro tentativas de marcação nem que fosse só para conhecer o espaço do restaurante. Além de ter um pé direito em que precisa de uma escada de bombeiros para chegar ao tecto, e um ambiente arejado e espaçoso, o El Clandestino tem pormenores de decoração simplesmente maravilhosos. Logo no andar de baixo, encontra à entrada uma instalação gigante que recria a favela do Vidigal através de caixas de madeira pintadas e iluminadas.
Na mezzanine, há outra composição artística com motivos sul-americanos e por todo o lado encontra pinturas e quadros cheios de cor e misticismo.
Se juntar isto às mesas velhas de várias cores gastas, percebe facilmente que tem aqui um dos restaurantes mais descontraídos e bem decorados de Lisboa. Existe ainda um pequeno pátio interior, onde se pode fumar ou beber um copo, e que está também maravilhosamente decorado com altares e pinturas a relembrarem um cemitério tipicamente mexicano.
A ementa
É neste ambiente moderno, divertido, cosmopolita (e muito barulhento) que pode provar uns magníficos petiscos sul-americanos. A ementa está dividida entre tacos mexicanos e ceviches peruanos. Depois tem ainda quesadillas, saladas e dois ou três petiscos soltos. Mas o melhor de tudo chega logo no início, a abrir as hostilidades.
O couvert
Chamam-se totopos e são as deslumbrantes mini-tortillas estaladiças usadas no México para molhar nos mais variados molhos. Mas, afinal, o que é que distingue estes totopos daquelas batatas fritas de milho, triangulares e apinhadas de gordura, que se compram nos supermercados? Tudo. A única coisa comum é a forma triangular. Em primeiro lugar, não encontrei um único pingo de gordura que se apresentasse. Depois, a massa é tão leve e fininha que cria pequenas bolsas de ar agradavelmente rebentadas a cada dentada. E finalmente tem um sabor suave e discreto que se torna absolutamente viciante.
Nós fomos os dois em mini-família, na companhia dos nossos dois filhos mais velhos, e podíamos ainda estar ali, sentados, a trincar totopos atrás de totopos se não tivéssemos em casa um Kim Jong-un das dietas que se apressou rapidamente a elencar todos os perigos calóricos de um inofensivo triângulo de milho.
Esta delícia vem para a mesa com o couvert (€4,50 para 4 pessoas), ao lado de três molhos diferentes: um pico de gallo agradável feito com tomate picado, coentros, cebola e sumo de lima; um puré de feijão que estava ligeiramente farinhento e que eu dispensei; e uma pasta suave e fantástica feita com tomatillos (aqueles tomates verdes pequeninos).
As bebidas
Nesta fase do jantar, estava sentado à frente de um dos melhores pisco sours (€5,50) que já bebi. Bem gelado, doce e ligeiramente ácido (não demasiado), vem com dois dedos de espuma no topo, o que lhe dá uma textura muitíssimo suave. Mas isto foi só enquanto escolhíamos e petiscávamos o couvert. É claro que também pode acompanhar a refeição toda a pisco sour, mas antes que o entusiasmo lhe suba à cabeça, deixe-me só soletrar o grau de alcoolemia da aguardente pisco, que está no centro do cocktail: ente 40 e 50%.
Registou? Óptimo. Então vamos às alternativas: várias margaritas, mojitos, cocktails e shots de tequilla. Como tudo isto está mais ou menos no mesmo nível alcoólico, optámos por uma garrafa de vinho branco.
As entradas
Não caia no erro de se isolar do resto da mesa e pedir o seu prato só para si. A minha querida Mulher Mistério ainda tentou, mas a pressão do resto da família demoveu-a. E, por isso, partilhámos tudo como deve ser. Primeiro, veio um guacamole perfeito (€5,50), com mais uns totopos divinais a acompanhar, que não durou mais de dois minutos em cima da mesa. Os mini-misteriosos ficaram fascinados com a combinação macia e suave do abacate com o tomate, a cebola roxa e os coentros. E mais ainda com o toque bem acentuado da lima que cortava as pretensões enjoativistas do abacate.
E, se o guacamole é, sem qualquer dúvida, um dos melhores que já comi, então a quesadilla de flor de courgette com cogumelos (€6) é a perdição de qualquer queijoólico incorrigível como eu. Tostada e crocante por cima, é cremosa por dentro graças ao fabuloso queijo oaxaca, um dos melhores queijos do planeta para derreter. Com um sabor suave e uma textura semelhante à do queijo mozzarella, o oaxaca espalha-se pelo interior da quesadilla como se fosse um rio de lava que envolve tudo o resto: os cogumelos laminados e a courgette fininha. E como se isto não bastasse para deixar a Família Mistério a babar que nem o Mira Amaral em dia de stress, então prepare-se: o topo da quesadilla é salpicado com uma cebola picada frita e crocante.
Os pratos
Ultrapassada a etapa das entradas, chegámos aos pratos. O primeiro a vir foi um fantástico ceviche de vieiras (€13,50), feito com vieiras cortadas muito fininhas e acompanhado com… totopos, pois então (estes redondos e mais pequeninos como se fossem chips). Para tornar tudo isto ainda melhor, o ceviche leva manga e as fabulosas algas wakame que se sentem bem ao trincar. Por cima são ainda salpicadas umas amêndoas laminadas fantásticas e cebolinho picado.
Bastante abaixo está o ceviche de salmão (€9). Os nacos de peixe são bem frescos, suculentos e saborosos, mas o puré de inhame tinha um travo a azedo demasiado acentuado para o meu gosto. Salvaram-se as ervilhas de wasabi e os rabanetes laminados.
Antes de começar a abrir a boca de espanto com a quantidade de comida ingerida pela Família Mistério, deixe-me dizer-lhe que isto ainda nem chegou a metade, mas as quantidades também não são muito grandes.
Tivemos evidentemente de experimentar os famosos tacos. E aqui não pode hesitar dois segundos antes de pedir o taco de leitão (€8,30). Servido com o leitão desfiado e suculento, cozido a baixa temperatura, tem quase tudo o que se pede num leitão: leve, macio e com aquele sabor único. O que falta para nos teletransportarmos para a Bairrada é o molho picante e a pele estaladiça. O taco leva ainda radicchio em fios e uns gomos de laranja por cima que ajudam a cortar o excesso de gordura da carne.
A seguir chegou o taco de solomillo, feito com óptimos e tenrinhos cubos de lombo de novilho (€9,20). Por cima, vem um molho mexicano adocicado que rouba algum do sabor natural da carne e uns vegetais salteados agradáveis.
Para o fim deixámos o taco de camarão picante (€8,70) que não faz definitivamente o género Dela (apesar de só ter uma inofensiva malagueta numa escala de picante que vai de zero malaguetas a três). Vem com alface baby, camarão e uma boa maionese com pimentos chilli ancho mexicanos – mais gordos do que os pimentos padrón mas igualmente imprevisíveis quanto ao grau de picante.
As sobremesas
Confirma-se: cinco pratos e duas entradas depois, esta bem alimentada Família Mistério chegou às sobremesas ainda com um espacito para qualquer coisinha que ajude a aconchegar o jantar. E quem diz “qualquer coisinha” diz “quaisquer coisinhas”.
Primeiro veio a Bomba de Chocolate (€5): é um bolo de chocolate quente, molhado por dentro, servido ao lado de uma mousse de chocolate com um toque que me pareceu de menta. Para finalizar, vem ainda um amendoim caramelizado ralado e uma auto-intitulada espuma de pimento e malagueta. E aqui vale a pena fazer uma ligeira interrupção para compromissos publicitários (neste caso, não remunerados): tornou-se moda chamar espuma a tudo e mais alguma coisa; ora, uma espuma é aquilo que sai de dentro das latas de Gillette (aí está a publicidade) e que os homens usam para fazer a barba – é leve, é suave e quase se desfaz ao mais ligeiro toque. Resumindo, não é nada daquilo que veio para a mesa: um creme de pimentos e malagueta, picante e interessante mas com a consistência de um creme ou de um puré. Não deixa de ser bom, mas não é espuma.
A seguir veio o ultraje da noite: o Jardim de Churros (€5,50). Trata-se de meia dúzia de fantásticos e estaladiços churros acompanhados de uma taça de doce de leite com uma espuma (outra!) de lima e um pó feito à base de cogumelos. Escusado será dizer que esta pequena maravilha (e todas as outras com doce de leite) desapareceu por exclusiva responsabilidade das crianças antes que eu conseguisse dar a segunda trincadela no meu churro.
Para acabar, ainda pedimos uma mais saudável salada de frutas (€4,50). Saudável?! Brincadeirinha… As frutas são servidas em cubinhos pequeninos, mas trazem um fantástico crumble de doce de leite, uma fabulosa mousse de coco e um delicadíssimo e ácido sumo de maracujá fresco que é perfeito para equilibrar os açúcares.
Ainda ponderámos pedir uma quarta sobremesa, mas infelizmente não há mais na ementa. É, por isso, com um certo orgulho que anuncio solenemente que conseguimos comer todas as sobremesas do restaurante.
O serviço
Já conhecia os restaurantes que fazem dois turnos ao jantar e obrigam os clientes a levantar-se quando chega a hora. Já conhecia os restaurantes que só fazem um turno e deixam os clientes ficar sentados, à vontade, durante o tempo que quiserem. Com o El Clandestino, conheci um novo tipo de restaurante: os que têm dois turnos, mas o deixam ficar sentado o tempo que quiser.
Quando ligou para marcar mesa, a minha querida Mulher Mistério recebeu a resposta cada vez mais comum em Lisboa:
– Prefere o turno das 20h30 ou o das 22h30?
Em pânico com a hipótese de ser expulsa às 22h15, recebeu nova resposta:
– Aqui não expulsamos ninguém. Chega às 20h30, mas sai à hora que quiser.
E foi assim que saímos quase às 23h30: em primeiro lugar, porque a comida estava óptima; depois, porque o serviço é de uma simpatia contagiante. E quando somos bem recebidos é sempre difícil ir embora.
As crianças
As nossas adoraram – mas é difícil encontrar alguma coisa que eles não adorem. De qualquer maneira, tem sempre um menu infantil: um hambúrguer de novilho com o delicioso queijo oaxaca, abóbora e totopos (€8).
O bom
A decoração do espaço, especialmente a Favela do Vidigal.
O mau
O barulho
O óptimo
Os totopos… e o guacamole… e a quesadilla de flor de courgette… e o taco de leitão… e o jardim de churros… e….
Um óptimo jantar para si onde quer que os mexicanos estejam,
Ele
fotos: el clandestino; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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El Clandestino
Rua da Rosa, 321, Príncipe Real, Lisboa
Segunda a domingo, das 18h30 às 2h
915 035 553
Infelizmente tenho que discordar, fui uma vez e foi uma vez a mais.
O Bom:
O atendimento, fantástico, super-prestáveis e atenciosos.
O Mau:
O ceviche das vieiras – vieiras congeladas, de viveiro e com laminas tão finas que não foi possível sentir o sabor (se não fossem de viveiro a história seria diferente)
O Chato:
O barulho já mencionado
O “FUJAM”
O guacamole. Qualquer restaurante que se preze de ter influencias sul americanas tem que saber fazer um bom guacamole. Já comi muitos mas este foi o pior, do mais salgado que já comi, perdão, entraguei, não era possivel sentir nada na boca senão sal.
Apesar da simpatia do staff, é um a-não-repetir