depois da polémica sobre o nome, vamos ao que realmente interessa: come-se bem no café colonial?

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    Não sei exactamente o que é que pode levar alguém lúcido a chamar Café Colonial a um restaurante em pleno século XXI. Mas também não perco mais de 20 segundos a pensar se o proprietário do restaurante tem uma colecção de chapéus do Mouzinho de Albuquerque em casa.

    O nome é infeliz? É. Mas não é por causa de um nome infeliz que depreendo que o proprietário gostaria mesmo era de estar a beber um gin tónico, na baía de Luanda, enquanto era abanado por meia dúzia de indígenas com folhas de bananeira nas mãos. Tal como não depreendo pelo nome que os donos da Casa das Ratas são feministas convictos. Ou que os sócios do Querido, o Jantar Está Pronto são perigosos machistas que defendem que as mulheres nunca deviam ter saído da cozinha. Também não acredito que a tasca Larga a Velha nasceu para perseguir a terceira idade. Ou que o Restaurante do Alívio é um urinol público. 

     

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    Há restaurantes que têm nomes parvos simplesmente porque o mundo é assim: às vezes, as pessoas são parvas; outras vezes, enganam-se. Mas escolher um nome infeliz não faz de alguém um perigoso fascista ou um furioso comunista.

    Esclarecida a polémica facebookiana da semana, interessa-me saber uma coisa: vale ou não vale a pena ir jantar ao Café Colonial?

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    O ambiente

    Aqui não há fotografias de Salazar nas paredes nem homenagens ao “Ultramar” espalhadas pelos corredores. A decoração é pesada, escura e obcecada por veludos, mas é aparentemente pacífica a nível de colonialismo. Por mim, eu dispensava as mesas pretas, os sofás e os almofadões verde-azeitona ou as paredes de madeira escura que tornam o ambiente mais pesado do que um lutador de sumo em cima de uma banana.

    Salva-se a parede quase totalmente em vidro (só não é totalmente em vidro, porque tem umas colunas no meio que lhe retiram amplitude) para uma vista fantástica sobre Lisboa. De dia, a vista é maravilhosa; à noite perde-se um bocadinho – não só por causa do escuro, mas também dos reflexos nos vidros.

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    O Café Colonial fica dentro do Hotel Memmo Príncipe Real, em Lisboa, e para lá chegar é melhor pedir uma bússola emprestada. Como está junto ao Lost In, nas traseiras da Rua D. Pedro V, tem de procurar a discreta indicação para o hotel quase com uma lupa. Depois passa um beco e encontra, então, o Memmo.

    Se quiser, pode começar a noite por beber um copo no bar exterior, à volta da piscina, enquanto aproveita o pôr do sol em cima dos telhados de Lisboa. No dia em que lá fomos, ainda arriscámos a ousadia, mas como estava um vento típico do Guincho em Agosto, não nos valeram os vidros de protecção da varanda nem os aquecimentos exteriores.

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    Acabámos no balcão a beber um copo (€5) de vinho branco – Ela – e um gin tónico Bulldog (€12) – eu –, impecavelmente servido num copo de balão, com uma casca de limão, outra de laranja e água tónica Fever Tree.

    Antes do jantar, tive tempo de ir à casa-de-banho lavar as mãos e descobrir que o sabonete líquido ainda estava assustadoramente selado, o que me leva a tirar uma de duas conclusões possíveis: ou o sabonete tinha acabado de ser sorrateiramente substituído às dez da noite (o que me parece pouco plausível); ou, além de perigosos colonialistas, os clientes homens do restaurante fazem questão de levar o seu sabonete particular no bolso para não terem de o partilhar com ninguém (é evidente que não me passa pela cabeça que possam ir à casa-de-banho sem lavar convenientemente as mãos).

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    A ementa

    O couvert

    Quando nos sentámos à mesa, já com as mãos lavadinhas, pedimos uma garrafa de vinho branco para abrir as hostilidades. Não trouxeram o vinho branco, mas trouxeram-nos umas tostinhas de pão saloio fininhas e bem crocantes, daquelas que não conseguimos parar de comer. A acompanhar, vieram três manteigas: uma de amendoim, outra de tinta de choco e uma última de kimchi. Todas estavam cremosas e suaves. A de kimchi era óptima, intensa e ligeiramente picante; a de choco tinha um marcado sabor a mar; a de amendoim era um bocadinho mais enjoativa. 

    Tudo isto costuma dar pelo nome de couvert e ter um preço que é cada vez mais alto nos restaurantes portugueses. No entanto, no Café Colonial o couvert não está na ementa e não nos foi cobrado nada por ele.

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    As entradas

    Acabado o pão, veio finalmente o vinho branco, com uns longos minutos de atraso. Quase em simultâneo, chegou a minha entrada: uma perdiz de escabeche fria (€13) que veio servida num frasco de vidro e que não estava má de sabor. No entanto pareceu-me gelada demais, o que é um atentado contra a consistência dos alimentos – além de a carne vir rija ainda do frio do frigorífico, o molho também estava duro. De resto, estava bem temperada e vinha acompanhada com as mesmas tostinhas viciantes de pão saloio do couvert. Ao lado, trouxeram ainda um puré de maçã que eu, sinceramente, dispenso.

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    A minha querida e prezada Mulher Mistério, soterrada na sua eterna dieta, resolveu pedir duas entradas: primeiro, com a minha perdiz, trouxeram um carpaccio de tamboril cortado em fatias muitíssimo fininhas, quase transparentes, e servido com molho ponzu, óleo de sésamo e ovas de salmão (€12). Eu gostei, especialmente da textura do tamboril; já Ela não gostou do molho.

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    A acompanhar os pratos principais – e sempre firme na sua caminhada em direcção ao corpo da Sara Sampaio – a minha ilustre Mulher Mistério optou pelo tártaro de salmão (€10), que no Café Colonial dá pelo ligeiramente mais pomposo nome de “Salmão em Tártaro”. No fundo, é um tártaro de salmão igual aos outros, feito com um peixe mais frequente nas águas frias do norte da Europa do que nas águas mornas do colonialismo português, mas que estava fresco e razoável. Leva ainda wasabi e um shot de shiro miso, um miso branco mais suave e doce do que os outros.

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    Os pratos principais

    É claro que um tártaro e um carpaccio de peixe não alimentam a minha enérgica Mulher Mistério durante mais de 15 minutos, por isso o sacrificado foi o meu bife à café colonial (€17,50 por 150 gramas) que eu vi desaparecer-me do prato à mesma velocidade a que os bancos desaparecem em Portugal.

    Mal passado e com um molho agradável servido à parte, o bife vem já cortado em fatias, o que permitiu que o desvio do meu jantar ocorresse mais discretamente. A acompanhar traz um salteado de espargos verdes fininhos, tomatinhos cherry e cogumelos Portobello. Mas o melhor de tudo foi o sortido de vários tipos de batata frita (incluindo, claro, batata doce) ultra-fininha e estaladiça. E aí o assalto protagonizado pela minha parceira do lado foi tão evidente que nos vimos obrigados a pedir uma dose extra que simpaticamente não foi incluída na conta.

    O que me valeu foi que jantámos com uns amigos, por isso Ela dividiu-se entre roubar o meu jantar e a corvina à Bolhão Pato do outro lado, que me pareceu claramente uma escolha mais surpreendente do que o meu bife.

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    As sobremesas

    Nesta fase, a dieta Dela já era uma ilusão. Por isso mergulhou de cabeça numa selecção de várias texturas diferentes de chocolate de São Tomé com 70% de cacau (€8): um gelado bom, um bolo mais ou menos e uma bolacha crocante e muito fininha por cima. Ao lado, trazem-lhe ainda um praliné de amendoim salgado e umas bolachas de banana mais grossas e às quais não achei grande piada.

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    Eu voltei a falhar: optei por um suspiro com gelado de goiaba e frutos tropicais (€7) que deixei quase a meio. O gelado era enjoativo e ainda levava uns fios de doce por cima que tornavam a combinação desagradável.

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    O serviço 

    Foi sempre simpático, mas a demora com o vinho pareceu-me quase uma regra. Depois do atraso com a primeira garrafa, a segunda demorou 14 minutos a deslocar-se da adega até à mesa: pedi-a quando estávamos a acabar as entradas e chegou já praticamente no fim dos pratos principais.  

    A meio do jantar, os empregados também conseguiram desaparecer todos ao mesmo tempo: durante sete minutos, não consegui ver uma única alma no horizonte. 

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    As crianças

    Não tem menu infantil, mas tem um menu de petiscos que pode pedir no terraço entre as 18h e as 22h. Aliás, é capaz de ser mesmo a melhor opção: bebe um copo à frente do pôr-do-sol, petisca qualquer coisa e deixa o jantar para outro dia. 

     

    O bom

    A vista do terraço sobre Lisboa

    O mau

    O suspiro com gelado de goiaba

    O péssimo

    A demora do serviço a trazer as bebidas

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que o colonialismo esteja,

    Ele

     

    fotos: café colonial; casal mistério

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
    _________________________
    Café Colonial

    Hotel Memmo Príncipe Real

    R. D. Pedro V, 56 J – Lisboa
    Das 12h30 às 15h; das 19h30 às 22h
    De quinta a sábado, até às 23h
    T: 961 844 248

     

    2 comentários em “depois da polémica sobre o nome, vamos ao que realmente interessa: come-se bem no café colonial?

    1. Não sei o que será realmente infeliz, se a classificação para o nome de um restaurante, ou acreditar que tudo se resume a ressabiamento colonial… Claramente que há um toda uma realidade por descobrir no mundo que rodeia este casal, talvez um dia deixem de olhar para a parede.

    2. Falando em lusofonia e colonialismo, no Brasil, café colonial tem uma excelente conotação, que faz menção ao lugares que tiveram colonização alemã e servem uma mesa farta de delícias.

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