despedida do algarve: a maravilhosa anchova grelhada da esplanada do sem espinhas

    Quando entro num restaurante e ouço o empregado dizer-me:

    – Boa noite, cavalheiro…

    …sinto-me de volta ao século XVII.

    Então, se o mesmo empregado se vira depois para alguma das crianças e lhe diz:

    – O que é que a menina vai desejar?…

    …não me restam dúvidas: encarnei no corpo do Dartacão e estou à frente da Milady, pronto para derrotar o temível Cardeal Richeleão.

    Como sou o mais devoto admirador dessa obra-prima dos desenhos animados que foi “Dartacão e os Três Moscãoteiros”, entrei no Sem Espinhas da Praia do Cabeço a imaginar os saltos acrobáticos de Mordos e a sonhar com o charme contagiante de Arãomis. E é importante deixar bem claro um ponto prévio: este Sem Espinhas está para o seu homónimo da Manta Rota tal como o Dartacão está para a personagem original de Alexandre Dumas: não tem qualquer comparação.

    Eu tinha ido há uns anos ao restaurante da Manta Rota e confesso que gostei de lá comer como de ver o Passos Coelho a fazer carreirinhas na praia. Não me convenceu: nem o ambiente (demasiado sofisticado) nem a comida (caril de gambas?!).

    Mas mal cheguei à praia do Cabeço para o jantar de despedida das nossas férias (infelizmente, já lá vão) percebi que tinha entrado num mundo diferente.

    O ambiente 

    O restaurante está em cima da praia e tem uma esplanada com uma maravilhosa vista para o mar. Decorado com madeira rústica e cadeiras de realizador às cores, é simples, alegre e despretensioso. Tanto sabe bem almoçar aqui de fato-de-banho (confesso que, no Verão, é coisa que só fazemos quando estão menos de 12 graus no areal e caem mais de 5 mm de chuva por hora) como jantar já com o duche tomado e o cabelo penteadinho. 

    O ambiente é simpático – é frequente encontrar alguns jogadores de futebol sentados em mesas numerosas, às vezes com as crianças a guincharem um pouco alto demais – e o local é agradável. Sempre que estiver bom, aproveite a esplanada.

     

    O serviço 

    Cavalheiros, Meninas, Donzelas e Miladys. Prepare-se para uma educação enternecedora. E para um serviço atencioso. E para um atendimento rápido. E para uma cerimónia agradável. Tudo isto de T-shirt e calções. Que mais é que uma pessoa pode pedir?

    A ementa 

    O peixe

    Aqui come-se peixe. Muito bom peixe. E, quando eu digo peixe, não digo robalos e douradas – que é aquilo que se serve em 90% dos restaurantes portugueses. Não. Peixe a sério, como pregado, anchova, salmonete, cherne, garoupa – sempre no singular, como dizem as peixeiras na praça.

    Nós optámos por dividir. Pedimos dois camarões tigre mais pequenos (que o Pedro Passos Coelho não permite sequer os médios) e uma anchova de meio quilo. Primeiro arrumámos os camarões, depois tratámos da anchova.

    Confesso que gostei imenso do camarão tigre. Muito bem grelhado, nada seco e acompanhado com um fantástico arroz de alho. Mas a grande surpresa da noite foi a anchova. Deliciosa, tem um sabor completamente diferente dos robalos ou das douradas. O excesso de gordura dá-lhe uma consistência única. Grelhada de uma forma digna do Conde Rocãforte, vinha tostada por fora e molhada por dentro. Simplesmente maravilhosa.

    As entradas

    Antes, pedimos meia dúzia de ostras muito boas, mas infelizmente não tão boas como as da Casa da Igreja – além de custarem um euro e meio, não têm o mesmo sabor a mar. E uma óptima muxama de atum.

    Esta é para mim uma das melhores entradas que existem no Algarve. Inventada pelos fenícios há dois mil anos, a muxama é um lombo de atum passado por flor de sal e seco ao calor. Depois é cortado em fatias finíssimas e servido com azeite. A muxama do Sem Espinhas é maravilhosa, mas eu acho que fica ligeiramente atrás da muxama do Estaminé na Ilha de Faro. Temos de lá voltar para um jogo mata-mata à Scolari entre os dois restaurantes e tirar as teimas de vez.

    As sobremesas

    A tarte três delícias é qualquer coisa de absolutamente estratosférico. Juntar num bolo figo, amêndoa e alfarroba é pedir a Cristo para descer à Terra e jantar connosco. Não há forma moderada de descrever o que é isto. Por isso o melhor é calar-me e procurar rapidamente outro sítio onde exista alguma coisa tão boa como esta. As crianças pediram também um tradicional D. Rodrigo que estava fantástico.

    Para acabar toda esta loucura, ainda estive quase, quase, quase a pedir um shot de aguardente de medronho bem gelada. Mas achei que era capaz de ser demais. Especialmente depois de ter bebido uma garrafa de Esporão branco. Fica para a próxima.

     

    O bom 

    A simpatia e a descontração do serviço

    O mau 

    Os guinchos dos filhos dos futebolistas

    O óptimo 

    A anchova grelhada e a frescura do peixe

     

    Um abraço para o Dartacão onde quer que ele esteja,

    Ele

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