Quando, na mesma sala, se cruzam por acaso as calças coloridas de uma figura do jet set nacional com o casaco de fato-de-treino de um jovem fashion victim, isso é… o novo restaurante Duplex. Este é provavelmente o espaço mais animado e cosmopolita de Lisboa. Aqui há ícones da moda de hoje e do tempo da Olá!. Aqui há portugueses e estrangeiros. Aqui há novos e velhos. Aqui há restaurante e bar. Aqui há quem vá para jantar ou para dançar. Aqui há Casal Mistério – como é que podíamos resistir a isto?
O ambiente
Ao contrário do que tudo fazia prever, o Duplex tem dois andares (achei melhor esclarecer, não fosse o Jorge Jesus baralhar-se). No piso de baixo, fica um bar onde pode pedir uma bebida enquanto espera pela mesa (a partir da meia-noite, este tranquilo e semi-vazio bar transforma-se numa discoteca com música alta e cerca de 10 centímetros quadrados de espaço livre por cliente). No piso de cima, fica o restaurante. Bem decorado, com um ambiente escuro e uma instalação impressionante do street artist Bordalo II, que recria o Cais de Sodré a partir de lixo apanhado nas ruas, a sala é moderna e animada. As cadeiras são confortáveis, têm encosto e braços (o que para um homem em idade pré-ciática, como eu, é essencial), e uma das paredes tem um enorme espelho que dá o dobro do tamanho à sala.
Mas o melhor do Duplex não é nada disto, no fundo estivemos aqui só a perder tempo. O melhor do Duplex são as duas mesas que ficam mesmo dentro da cozinha e onde se pode jantar enquanto se ouvem os cozinheiros e o chef Nuno Bergonse (ex-O Pedro e o Lobo) agitadamente a falar sobre a comida. Aqui, não há filtros. A única coisa que separa as mesas do fogão é um balcão onde são colocados os pratos para os empregados recolherem e levarem para dentro. É claro que são mesas pequenas porque o espaço é mínimo, por isso se a sua ideia for fazer um jantar ao estilo Cristiano Ronaldo, com os irmãos, primos, tios, cunhados e ex-cunhados atrás, o melhor é esquecer. Eu limitei-me a comparecer aqui coadjuvado pela Minha Querida Mulher Mistério e por um amigo nosso, por isso felizmente cabíamos na cozinha. Mas, como são só duas mesas, é melhor não revelar onde é que comemos para não aniquilarmos o mistério.
A ementa
O jantar começa verdadeiramente no piso de baixo. E, no nosso caso, começou com um gin tónico para mim e uma margarita para Ela. O meu Hendricks (€9) estava óptimo e a margarita Dela (€8) conseguia ser bastante mais cítrica e menos doce do que o normal, o que a tornava um cocktail muitíssimo agradável para começar um jantar.
O couvert
Quando nos sentámos à mesa, trouxeram-nos dois pedaços de pão que colocaram no prato com um pouco de azeite à frente: uma focaccia agradável e um pão muito leve de cereais. É claro que, passados dois minutos, já estavam a trazer mais pão. Convenhamos que, mesmo para pessoas que ingerem quantidades civilizadas de comida (o que manifestamente não é o nosso caso) dois pedaços de pão é capaz de ser curto, não?
Mas, enquanto ainda estávamos a tentar saborear o pão, chegou aquilo que é destacadissimamente (uma palavra com 19 letras é obra!) o melhor do couvert: uns grissini extra finos e crocantes, que têm a grossura de uma agulha de pesca, acompanhados de queijo creme.
Antes de acabar esta fase pré-entradas, ainda chegou um amuse-bouche do chef: um crostini de arroz com algas, cogumelos shitake e ovas de peixe voador que estava simplesmente delicioso.
As entradas
Quando alguém junta as palavras “vieiras” e “crumble” na mesma frase, eu entro num estado de transe que me deixa em condições de encarnar o Professor Karamba a qualquer instante. E no Duplex estas duas palavras juntam-se não só na mesma frase, mas no mesmo prato (€15). Esta entrada tem umas fresquíssimas vieiras chapeadas (com coentros), um magnífico creme de coco (que estava doce e suave) e um arrebatador crumble de avelãs (que vinha crocante). Esta combinação de sabores e texturas é de nos deixar à beira do KO.
A seguir chegou um dim sum que pode ser servido de três formas: com caranguejo, limão e malagueta; com vegetais e molho agridoce; ou com alheira assada, couve roxa e ovo roto (€7). É claro que tivemos de escolher o mais surpreendente. E, pelo pouco que sei de cozinha chinesa, a alheira não é propriamente um prato típico de Shenzhen. A alheira vem com a pele estaladiça, como deve ser, a couve roxa estava crocante e o ovo roto é uma deliciosa gemada salgada que dá toda a graça a este prato.
Os pratos principais
Como andamos numa fase muito harmoniosa da nossa relação mistério (a comida aproximou-nos…), deixámos o nosso querido amigo num gueto gastronómico e dividimos os dois pratos principais que pedimos. Primeiro chegou um ravioli de pintada (€18). A pintada é uma galinha selvagem, originária de África e maior do que a galinha normal, que tem de ser bem cozinhada para não secar. Aqui estava feita no ponto e colocada dentro de um ravioli fresco, feito com uma massa tão fininha que vinha aberta. A acompanhar a massa, está um molho de manteiga saboroso e nada enjoativo e umas trufas laminadas por cima. A combinação entre a manteiga e as trufas não tem qualquer surpresa, mas resulta sempre bem.
No entanto, o melhor chegou a seguir: um risotto de javali, com cogumelos, lascas de queijo da ilha e trufas (€19). Aqui todos os sabores são fortes, o que dá origem a um prato intenso mas fantástico. Para quem gosta de caça e de queijo, é o ideal, até porque o risotto vem perfeito: cremoso e consistente, nada empapado.
A sobremesa
Nesta altura do jantar, já rebolávamos em vez de nos movimentarmos, mas o nosso simpático amigo mostrou-se irredutível em relação à sobremesa: “Jantar sem sobremesa não é jantar” (já perceberam de onde vem esta amizade, não já?).
Acabámos por optar por uma solução intermédia (uma sobremesa para os três) e pouco doce: um gelado de frutos do bosque com creme de gengibre e um merengue de limão (€5). A acidez dos três ingredientes é o ideal para desenjoar dos risottos, das trufas e dos queijos.
O serviço
Os empregados são todos simpáticos e educados, mas o serviço foi claramente lento: demorou a trazer o vinho, demorou a servir água e demorou a recolher o pedido (a mesa do lado chegou depois de nós e foi atendida antes). Pediram várias vezes desculpa pelo atraso – sem que nós precisássemos de nos queixar – e no fim fizeram questão de oferecer os cocktails para compensar a demora. Perante isto, o que é que um homem pode dizer? Só mesmo pedir mais dois cocktails. Mas isso já é no andar de baixo…
As crianças
Não tem menu infantil e não tem qualquer ambiente para miúdos. Este é um restaurante claramente de noite.
O bom
O espaço, a animação e o ambiente
O mau
O atraso no serviço
O óptimo
A comida, especialmente o risotto de javali e as vieiras com crumble de avelãs
Um óptimo fim-de-semana para si onde quer que esteja,
Ele
fotos: duplex