Entrar no Bistrô 100 Maneiras à hora do jantar é como entrar no British Council à hora do chá. Tirando esta pobre alma lusitana, que lhe escreve uma sempre discutível prosa, e o Rodrigo Leão, que jantava tranquilamente com a família no andar de baixo, os outros clientes falavam inglês – ou, pelo menos, tinham cara de quem falava inglês. Até a simpática senhora que nos recebeu à porta e nos arranjou logo uma mesa sem reserva – uma raridade hoje em dia – parecia saída directamente dos bancos do St. Julian’s School para as mesas do restaurante.
Mas se acha assustadora esta invasão anglo-saxónica de Lisboa, então prepare-se, porque no Bistrô 100 Maneiras “assustador” é uma palavra fácil de usar.
O ambiente
Não se precipite, não estou aqui a espumar de raiva, pronto para desfazer a decoração do restaurante que até está muito bem apessoado. Queria só descrever-lhe o arrepio que me subiu pela espinha quando vi na parede a fotografia gigante do chef Ljubomir Stanisic, com ar tresloucado a segurar a cabeça de um porco com um piercing no focinho, e imaginei o que me poderia acontecer se ousasse fazer alguma crítica menos positiva ao espaço.
Por isso, esclareço já: se houver qualquer gesto ou má palavra que possa transparecer deste texto, as minhas desculpas estão apresentadas previamente. E, se não forem aceites, pelo menos que a vingança não seja dolorosa. (Pelo sim, pelo não, se calhar é capaz de ser melhor pedir ao Ricardo Salgado o contacto dos guarda-costas israelitas para me impedirem de acabar os meus dias ao lado daquele focinho de porco.)
Mas comecemos pelos elogios. O espaço é muitíssimo confortável (repare no superlativo absoluto sintético…) com cadeirões em que mergulhamos refastelados com prazer. A decoração é giríssima (mais um superlativo…) com uma mistura surpreendente de art deco e das tais dóceis fotografias de Stanisic.
A ementa
Quando nos sentámos, trouxeram-nos a lista e depois deixaram-nos quase dez minutos à espera de pedir. Só a seguir ao vinho é que chegou a empregada com o couvert (€3), que se resume apenas a três tipos de pão: focaccia, cerveja e mistura. Não há azeite, não há manteiga, não há paté – não há nada para humedecer ligeiramente o pão. Eu escolhi a focaccia, que é alta, fofinha e ligeiramente húmida, e o pão de cerveja, o que levantou um problema: a empregada trazia apenas um exemplar, como se o pão de cerveja se tratasse de uma espécie em vias de extinção. Eu olhei para a minha simpática companheira de refeição (não era a minha querida Mulher Mistério, mas não estamos à beira do divórcio – era apenas a minha irmã), ela olhou para mim e, perante a indecisão, a empregada decidiu por nós: deslocou-se pacientemente à cozinha e trouxe mais um pãozinho de cerveja que acabou por não se revelar nenhuma surpresa.
Os petiscos
A seguir passámos para os pratos e, como estávamos em família, decidimos dividir vários petiscos.
Primeiro chegaram duas empadas de caça (€3 cada uma) com uma massa muitíssimo leve e um delicioso molho a acompanhar, feito de queijo creme e uma delicada pasta de trufas – só o cheiro a trufa conquistou-me logo à primeira dentada.
Depois, pedimos um burek jugoslavo de queijo e acelga biológica (€8). Feito com uma maravilhosa e estaladiça massa filo, é um prato típico do antigo império otomano. Aqui é servido com uma massa muito leve e um recheio que transborda ao primeiro golpe da faca. É fantástico e vem em quantidade suficiente para alimentar o Fernando Mendes em dia de reequilíbrio calórico.
Nesta fase, qualquer pessoa normal já estaria quase jantada mas, como já deve ter desconfiado, “Casal Mistério” e “normalidade” são duas composições ortográficas que não convivem muito bem na mesma frase, especialmente quando o tema é comida. Foi por isso que não resisti a uns fígados de aves enrolados em finas fatias de bacon (€9,50). O problema é que tudo neste restaurante é servido como se fosse para a mesa de uma família numerosa, o que quer dizer que vieram na frigideira cinco consistentes fígados com mais de seis centímetros de comprimento. Macios e muito bem cozinhados, eram, no entanto, ligeiramente enfartantes até para mim.
Perante o excesso de comida, tive de decidir: ou uma sobremesa ou um ouriço do mar com ovos mexidos (€18). E não me arrependo da escolha – em particular, depois do excesso de glicose ingerido na Páscoa. Os ovos vinham soltos e molhados e o ouriço é um verdadeiro encanto da natureza: macio, fresco e com um intenso sabor a mar (e pode ficar descansado: os espinhos não são para comer). Além de tudo, os ovos ainda vêm salpicados com uns pequeninos croutons pretos, tostados em tinta de choco.
O serviço
Tem tanto de simpático e educado como de desatencioso: demorou a recolher os pedidos, esqueceu-se de trazer o couvert no início, chegou a uma mesa de duas pessoas apenas com um pão de cerveja… mas, enfim, depois de olhar uma segunda vez para aquela fotografia do chef com a cabeça de porco decepada nas mãos, o melhor é dizer que correu tudo lindamente.
As crianças
Não tem menu infantil.
O bom
A decoração
O mau
O couvert e a demora do serviço no início
O óptimo
Os ovos mexidos com ouriço do mar
Um abraço para a cabeça de porco onde quer que o resto do bicho esteja,
Ele
fotos: 100 maneiras