– Forno d’Oro, boa noite.
– Boa noite, queria reservar uma mesa para três pessoas esta noite.
– …Trêeeees… pessoooooas… eeeeesta… noooooite…
– (…)
– …Para que horas?
– Para as dez e meia, por favor.
– …Deeeeeez… e meeeeeeia… trêeeeeees… pessoooooooas… hmmm…
– (…)
– …Hmmmmm… deeeeeez… e meeeeeeia… trêeeeeees… pessoooooooas…
– (…)
– [Silêncio]
– Estou, sim?
– Sim. Então era para quantas pessoas a reserva?
– Para três?!
– E para que horas?
– Para as dez e meia?!
– Entãaaaaao, deeeeeeez e meeeeeeeeeia… deixe-me só ver aqui num instante…
[Oh, não! Outra vez não!]
– Sim?
– Sim. Qual é o nome?
– Adalberto Francelino. [O nome não terá sido literalmete este, por razões evidentes]
– …Adaaaaaaalbeeeeeerto… Fraaaaaaanceliiiiiiiiino… trêeeeeeees… pessooooooooas… Deiiiiiixe… sóooooooo… aquiiiiiii… veeeeeer…
[NÃAAAAAAO! TIREM-ME DAQUI!]
– Estou?
– Estou, sim, peço desculpa, é que eu estava aqui a… Sim, senhor, está marcado.
– Muito obrigado.
Cinco minutos depois, tinha ultrapassado o telefonema com mais momentos de silêncio da história da minha vida. Parecia que estava a tentar falar com uma mota antiga que teimava em não pegar. Cada vez que acabava de pronunciar uma palavra ia a baixo. Quando pousei o telefone pensei: Adalberto Francelino, meu rapaz, queres mesmo jantar num restaurante com um forno forrado a ouro, decorado com uns pratos pintados com uns elefantes e que tem ao telefone um senhor que, ao falar, parece uma Famel gripada?
Pensei que a resposta dada por este cérebro de saguim-de-tufo-branco fosse um rotundo não. Mas não. Alguma força interior me arrastou até ao Forno d’Oro, a nova pizzaria de Lisboa, acabadinha de inaugurar e que tem um forno dourado de nove toneladas, forrado a ouro, que poderia estar perfeitamente no meio da sala da família Aveiro.
No entanto…
O serviço
…No entanto, fui recebido à entrada do restaurante por um dos seres humanos mais simpáticos do planeta. Tanka Sapkota é o dono e o chef da Pizzaria d’Oro. Apesar de ser nepalês, esteve em Itália a receber formação dos mais importantes e genuínos pizzaioli do mundo. Mas a principal característica de Tanka não é a facilidade com que roda a massa da pizza em cima do seu dedo indicador – a sua principal característica é o sorriso.
Quando chegámos à Pizzaria d’Oro com 20 minutos de atraso, já quase às onze da noite, eu achei que iríamos ser recebidos por um pelotão de gurkas prontos para nos fuzilarem à frente de toda a gente. Mas não. Fomos recebidos com um enorme sorriso e um convite para beber uma imperial ao balcão (aqui o convite é literal, uma vez que as imperiais não nos foram cobradas).
Segunda boa surpresa da noite: todas as cervejas do restaurante são artesanais e a imperial é uma deliciosa Benediktiner alemã, produzida desde 1609 e que está algures entre uma imperial leve e uma Duvel mais encorpada.
A esta altura, já o dono pedia desculpa por não ter a mesa pronta – sempre com um sorriso. E haveria de continuar a desculpar-se ao longo de toda a noite por nos ter feito esperar dez minutos.
Foi num desses momentos em que estávamos distraídos a pensar se umas imperiais com 5,4% de álcool em dois estômagos vazios não nos iam deixar a falar como o Toni, que nos apercebemos de um empregado por trás de nós a fazer um discreto sinal ao homem do balcão para nos servir umas óptimas bruschettas com tomate e manjericão (€1,35) e uma agradabilíssima focaccia com umas leves pinceladas de azeite biológico (€1,80). Serviço Atencioso, 1 – Estômago Vazio, 0.
A ementa
Feita com a mesma massa da pizza, a focaccia simples é bastante mais alta porque não leva ingredientes em cima. E é assim que se vê que a massa da pizza é boa. A tradicional massa napolitana não é fina e estaladiça como se faz em muitos restaurantes em Portugal. Eu também gosto da massa estaladiça – especialmente em oposição às massas grossas e pesadas que se encontram por aí – mas não é a original. A massa original é alta, mas muitíssimo leve. E porquê? Porque o seu interior deve estar cheio de ar. É por isso que ela fica mais achatada quando são colocados ingredientes por cima (no centro da pizza) e mais alta quando não leva nada (nas bordas). E é também por isso que as pizzas conseguem ser altas e estaladiças como a côdea de um pão acabado de sair de um forno a lenha.
Depois de ter levado o resto da focaccia para a mesa, onde continuámos a mergulhá-la num óptimo azeite que ali estava, passámos para…
…As entradas
Como íamos acompanhados do único elemento da nossa equipa de futsal que não arranjou uma desculpa para abandonar os pais ao jantar no fim-de-semana, resolvemos partilhar duas entradas e duas pizzas pelos três. E aqui tivemos a nossa mais forte desilusão da noite. Quando já estávamos a salivar pela burrata com azeite DOP (€9,90), fomos cruelmente informados de que a burrata tinha acabado. Os únicos escombros que ficavam do ataque faminto da noite só davam para compor uma focaccia com burrata e trufa negra (€13,95). É claro que não desperdiçámos a oportunidade – e não nos arrependemos. Além de saber verdadeiramente a trufa, vinha com a tal massa hiperleve, alta e estaladiça nas pontas.
Para substituir a burrata, pedimos um carpaccio do lombo, com finas meias-luas de aipo, lascas de parmesão também finíssimas (é tão melhor lascas do que parmesão ralado!), azeite biológico e rúcula. Muitíssimo bem temperado, só tive de pedir um pouco mais de pimenta moída no momento.
As pizzas
Sobre a massa estamos conversados: o Forno D’Oro entra directamente para o top 5 das pizzarias portuguesas (quem serão as outras quatro?…). Falta apenas elucubrar sobre os ingredientes que vêm em cima. Aqui as pizzas são divididas em dois: aquelas que são feitas com ingredientes portugueses e as que levam produtos italianos. À falta de burrata (não sei se já tinha falado disto?…) tivemos de arranjar alternativas. E a solução foi um acordo de paz Portugal-Itália, para ninguém ficar melindrado.
Primeiro dividimos uma pizza italiana: a Ricotta Salami Funghi (€11,95) é feita com requeijão de ovelha fresco, salame de Nápoles, cogumelos salteados e umas folhas de manjericão. O resultado é uma pizza saborosa e leve, ideal para abrir o caminho para a nossa escolha seguinte: a Transumância (€12,95) é uma das pizzas lusitanas do restaurante, feita com túbaras, queijo de ovelha, presunto de porco preto e esses dois ingredientes tão tipicamente portugueses que são o tomate San Marzano e a mozzarella fiori di latte.
Ultrapassado o preciosismo geográfico, há que constatar que a pizza estava deliciosa. O presunto vinha cortado finíssimo e ainda com aquela leve textura da gordura que só têm os melhores presuntos. As túbaras estavam magníficas. E o que mais sobressaía era o queijo de ovelha amanteigado tão intenso quanto divinal.
A sobremesa
Nesta fase do jantar, o entusiasmo com a comida era tão grande que já se tornava inevitável uma sobremesa. Mas…
…Porquê arriscar quando estava tudo a correr tão bem? Não é que as sobremesas sejam más, mas estão claramente abaixo do resto. O cheesecake (€4,50) veio com o corpo liso e perfeitinho demais como se fosse uma boneca de porcelana muito pouco apetecível. E o tartufo de chocolate (€4,50) não é mais do que uma normal bola de gelado com dois sabores, coberta por cacau em pó.
As cervejas artesanais
Começámos pela fantástica Benediktiner alemã (€2,50), que está no ponto ideal: ligeiramente frutada e não muito densa. Depois, eu decidi partir à descoberta de novos sabores, qual Robinson Crusoe da restauração. Experimentei duas cervejas italianas: uma L’Olmaia 9 (€7) e uma L’Olmaia 5 (€7). Ao contrário do que deveria ter feito, comecei pela 9, uma cerveja um pouco mais escura, encorpada, com 6,5% de álcool e um ligeiro sabor amargo que francamente não foi o ideal para acompanhar um carpaccio e uma focaccia. Depois é que passei para a 5, uma “ale” mais clara, mais leve, com menos álcool e sem um amargo tão intenso. De qualquer forma, a minha preferida foi a Benediktiner, que Ela sabiamente continuou a beber ao longo de toda a refeição.
O ambiente
Tirando o forno de ouro e os pratos pintados com elefantes, sóis e outros motivos que nos levam mais para a terra das chamuças do que das pizzas, está tudo perfeito: as paredes são brancas, as cadeiras são confortáveis, a organização da sala não é barulhenta nem silenciosa demais e – detalhe mais importante de todos, que para mim faz toda a diferença nestes dias de frio em que alguns restaurantes parecem o Hotel do Gelo – na casa-de-banho, o lavatório tem água quente. É que quanto mais me aproximo do fim da segunda idade, mais valor dou a entrar num sítio quente num dia de frio.
As crianças
Não tem menu infantil.
O bom
A simpatia e a competência do serviço
O mau
O forno dourado e a decoração oriental num restaurante italiano
O óptimo
As pizzas, especialmente a massa
Uma boa pizza para si onde quer que esteja,
Ele
fotos: forno d’oro
2 sugestões para o par anônimo em cuja opinião mais confio: porque não indicar o custo da refeição e a morada do poiso?
Caro Palatão,
Muito obrigado pela confiança e pelas suas sugestões. Em relação ao custo total da refeição, só não o divulgamos por uma questão de precaução em relação ao nosso anonimato: com o valor exacto da factura, seria mais fácil aos restaurantes chegarem ao dia em que lá estivemos e eventualmente às nossas identidades.
Todos os cuidados são poucos…
Obrigado,
Ele
Conheço o Tanka Sapkota há vários anos, mas sempre pelo pseudónimo de Giovani do restaurante “Come Prima” na Rua do Olival! Fiquei mega curiosa para conhecer o Forno D’Oro.
Nada como uma pizza em forno de pedra. Estou curiosa para experimentar, isso e as cervejas artesanais
Vamos ter um em funchal madeira vai ser a Mellor pizzeria da madeira chama forno dourado 911963872