o jantar mais louco e sensual do ano (atenção: este texto tem bolinha vermelha no canto)

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    Pare! Não leia nada! Desligue o computador e volte para a missa de domingo da TVI. Este texto é interdito a menores de 18 anos. E mesmo os maiores deviam pensar duas vezes antes de continuarem.

    Aqui vamos falar de prostitutas, meretrizes, pornografia e sexo hard core. Eu avisei… É claro que também há algumas passagens sobre comida. Mas isso não é o mais importante. A Alice no País dos Bordéis é muito mais do que um simples restaurante pop up escondido num andar quase secreto da Pensão do Amor, em Lisboa. É uma experiência que inclui um teatro imersivo onde até a Cicciolina seria capaz de corar – pelo menos nesta fase ligeiramente mais madura da sua vida dedicada ao cinema porno alternativo.

     

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    O ambiente

    Bom… já que insiste em ler este texto, então o melhor é começar, sem medos.

    O jantar tem de ser obrigatoriamente marcado com antecedência. Mandam-lhe um email a confirmar a reserva e onde encontra os dados para fazer a transferência antecipadamente. Toda a experiência custa a sugestiva quantia de 69 euros por pessoa (eu avisei que isto ia aquecer).

    Quando chega ao local, à hora marcada, sobe até à discoteca Pensão do Amor que, à hora do jantar, ainda está longe da confusão do resto da noite. Nós fomos com dois casais de respeitosos amigos.

    Sentámo-nos, na zona do bar, à frente de um pequeno palco. Fomos recebidos por uma simpática senhora que nos levou até uma não menos simpática – mas bastante menos conservadora – senhora, vestida de prostituta dos anos 60.

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    O teatro

    É ela que nos leva até ao tal piso intermédio e quase secreto da Pensão do Amor, onde, durante o Estado Novo funcionou um verdadeiro bordel. E a decoração recria na perfeição esse espaço, com peças e fotografias originais, recolhidas nas feiras de velharias de Lisboa, e até uma porta que dará para um dos quartos onde os clientes se encontram com as meretrizes – calma, ninguém o vai tentar levar lá para dentro.

    A única coisa que terá de fazer é ouvir e conversar com a madame do bordel, a actriz Sofia de Portugal, que o vai entrevistar como se fosse uma candidata a meretriz para ali trabalhar. Ao longo de cerca de meia hora, ela vai levar os clientes (peço desculpa, as candidatas a meretrizes, ou botõezinhos, como gosta de lhes chamar…) numa visita guiada pelo bordel.

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    Vai contar-lhe a história do espaço, explicar-lhe o que uma meretriz deve fazer (sim, com alguns detalhes mais impróprios para mentes demasiado púdicas) e meter-se consigo permanentemente.

    Na primeira sala do bordel, terá uma espécie de introdução ao espaço e à profissão; na segunda sala, os pormenores aumentam, por exemplo com uma impressionante colecção de dildos e vibradores ou com um filme pornográfico antigo, projectado na parede e onde uma freira interage apaixonadamente com um animal doméstico (eu avisei… mas o melhor é deixar os detalhes por aqui).

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    Nesta fase da aventura, já não sei bem quem estava mais abananado com a experiência, o que sei é que um dos nossos amigos – homem – ficou petrificado à frente do filme da freira, ao ponto de a “Madame” ter sido obrigada a tapar o projector com um pano escuro; já o casal de desconhecidos que lá estava parecia mais à vontade do que o Jorge Jesus numa fábrica de pastilhas elásticas.

    A visita continuou entre preservativos, dildos, fotos e objectos de higiene… até que somos levados para uma terceira sala e apresentados a um novo anfitrião, o chef Guilherme Spalk.

    O chef está atrás de um balcão comprido, ao lado de mais três cozinheiros, pronto para servir o jantar às candidatas a meretrizes. Apesar de estarmos num restaurante, o espaço também é decorado como se fosse um verdadeiro bordel dos anos 60, em tons de bordeaux, as paredes com enormes arcos em pedra e uma luz discreta e intimista.

    Os clientes sentam-se à volta do balcão e o teatro continua. A madame despede-se e o novo anfitrião apresenta-se.

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    O chef

    Ali não há empregados. Estamos só nós de um lado do balcão e o chef e os cozinheiros do outro. São eles que nos servem directamente, conversam de forma bem disposta e divertida e fazem uma apresentação detalhada e bem humorada de cada prato, sempre com associações despudoradas a sexo e a bordéis.

    Toda a noite tem um enredo claro: eles trabalham no bordel e nós somos as candidatas a meretrizes, ou “botõezinhos”, como insistem em nos tratar.

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    A ementa

    Até a comida tem referências permanentes a sexo. O menu de degustação fixo chama-se Fecha as Pernas e Abre a Boca e está dividido em oito momentos diferentes, cada um deles baptizado com um sugestivo título.

    Mal nos sentámos, serviram-nos um copo de espumante e trouxeram-nos uma caixa de pó de arroz, um frasco de creme e um batom. É a forma original de apresentar o couvert.

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    Os preliminares

    Na verdade, na Alice no País dos Bordéis não há bem um couvert. Há Os Preliminares de uma experiência permanentemente ligada ao sexo. O batom é comestível e feito de paté de mexilhão; o frasco de creme hidratante tem lá dentro um suave e delicioso creme de queijo de Azeitão; e a caixa de pó de arroz tem uma primeira divisão com uma macia fatia de miolo de pão, a fazer de esponja, e uma segunda divisão dividida em dois tipos de “pó de arroz”: uma manteiga de pinhão e outra de açafrão.

    O objectivo é ir raspando o pão pelas manteigas – como faz com o pó de arroz – e ir comendo.

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    Despertar dos sentidos

    A segunda etapa da refeição é composta por três snacks: um magnífico com foie gras e uma uva fresca por cima, um saboroso mini ceviche com uma espuma de batata doce, servido em cima de uma base crocante, e um surpreendente churro salgado. Todos eles para petiscar à mão, numa única dentada.

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    Fogo de paixão

    O prato seguinte já é uma entrada, trazida para a mesa em cima de um espelho de cerâmica. A ideia é olhar para o espelho e ver a paixão, aqui representada pela comida. E que paixão é essa? É um sashimi de atum com ruibarbo. Por cima leva um molho encarnado feito à base de miso vermelho.

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    Beijo francês

    Não é difícil adivinhar qual é o beijo francês, pois não? É para lhe explicar isso mesmo que entra outro cozinheiro em cena. Apresenta-se como Miguelão, o Professor e dá quase uma aula sobre linguados, ménage a trois e sexo em grupo. Tudo isto enquanto lhe descreve divertidamente o prato que tem à frente: um suculento e ultra-saboroso lombo de linguado já sem espinhas (o que deixou a minha querida Mulher Mistério num estado de felicidade suprema).

    A acompanhar, vem um leve e suave puré de espinafres, umas estaladiças folhas de ostra, uns salgados pés de salicórnia e um aveludado pó de chá verde.

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    Boca naquilo

    Se acha que o Beijo Francês foi picante então espere para ver a cozinheira do grupo entrar em cena. É ela que nos apresenta o prato seguinte: um “bacanal de legumes” que ninguém “pode cheirar nem sentir o prazer” até que ela mande. No fundo, é uma sopa miso, com uns fresquíssimos cogumelos (não são alucinogéneos), cebola e gema de ovo, que vem para a mesa num misterioso prato tapado.

    Antes de termos autorização para o destapar, a cozinheira dá a sua última instrução: “Como os botõezinhos estão em fase de aprendizagem, vão ter de dar uma mãozinha no bacanal. Vão ter de participar, chafurdar, misturarem-se lá dentro. Não há problema, botõezinhos, nós queremos o serviço bem feito!” Fim de citação.

    Acha que é preciso dizer mais alguma coisa ou podemos passar para o prato seguinte?

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    Desejo carnal

    O chef vem ter connosco novamente para nos apresentar o prato de… carne. Já tinha adivinhado? Imaginei que sim. Para mim, foi o melhor prato da noite. Trata-se de um fabuloso lombo de faisão incrivelmente suculento – o que é uma raridade porque não é fácil cozinhar esta carne – e muitíssimo saboroso.

    Além de tudo isto, ainda traz uma combinação de texturas única: a carne macia faz um fabuloso contraste com um crumble de amêndoa torrada e crocante, espalhado por cima, que, por sua vez, faz um ainda mais fabuloso contraste com um cremoso puré de bolbo de aipo e amêndoa torrada que vem a acompanhar. O toque adocicado é dado por um fantástico gel de nectarina.

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    Aquilo na mão

    A transição para as sobremesas é feita com um dos momentos mais atrevidos de todo o jantar. Os cozinheiros trazem-lhe umas vendas para colocar nos olhos. Explicam-lhe que é absolutamente proibido espreitar para a surpresa que aí vem.

    Depois pedem-lhe para abrir a mão, em cima da qual lhe colocam alguma coisa com uma textura granulada. Finalmente, dão-lhe a má notícia: “agora levem a mão à boca… da pessoa ao seu lado”.

    Como?! Sim, é suposto dar de comer na boca de quem está ao seu lado.

    Mas eu estou sentado numa coxia e, ao meu lado, só tenho um homem – e de barba. Os cozinheiros lamentam, mas as regras são para seguir à risca.

    Só precisei de pensar como é que eu iria sorver cada grão de comida de uma mão peluda para, sem esperar um segundo, levar a minha própria mão à boca e, assim, acabar com qualquer ideia mais louca.

    O prato é um figo seco com crumble de aveia crocante e uma ultraleve espuma de amora.

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    Aquilo na boca parte II

    Enquanto ainda estava a tentar normalizar a respiração depois da imagem tenebrosa da mão felpuda na minha boca, os cozinheiros anunciaram que o momento estava incompleto.

    Mal os clientes entram, eles próprios escolhem uma vítima para protagonizar este episódio, no mínimo, constrangedor. É uma bebida cremosa que tem de ser bebida de uma caneca típica das Caldas da Rainha (é preciso ser mais concreto?…), onde encontra, com grande destaque, a frase: “Mama mas não abuses”.

    Felizmente, não me calhou a mim esta honra, mas percebi que a bebida era leite de coco com rum e geleia de agave.

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    Orgasmo

    O jantar chega ao fim com o momento alto, ou seja, a sobremesa: um bolo de chocolate coberto com um delicioso creme de doce de leite, uma lâmina de chocolate crocante e uma levíssima espuma de limão, que estava simplesmente perfeito.

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    A caixa de jóias

    Com o café ainda lhe trazem para a mesa uma caixa de jóias em vidro com um crumble de chocolate no fundo, sobre o qual estão pousados três elementos: uma areia de Cascais, uma Maria Madalena (padroeira das meretrizes) feita de yuzu (uma fruta asiática da família da laranja, mas mais cítrica) e finalmente uma boca feita de chocolate, caramelo e pimenta sansho (uma pimenta japonesa aromática), que representa um beijinho de boa sorte na nova profissão das recém-contratadas rameiras.

     

    O serviço

    Uma experiência destas só resulta com uma equipa bem disposta e que consiga não ultrapassar a perigosa fronteira do mau gosto. E a equipa da Alice no País dos Bordéis consegue ser isso mesmo. O contacto directo e permanente dos cozinheiros com os clientes, ao longo da noite, funcionou lindamente. Todos são muitíssimo simpáticos, bem dispostos e disponíveis.

    Não é fácil conseguir embrulhar um delicioso e requintado jantar num serviço divertido e criativo, dentro de uma peça de teatro imersivo. E tudo isto por 69 euros por pessoa com vários tipos de óptimos vinhos incluídos e servidos à descrição.

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    A má notícia

    A Alice no País dos Bordéis acaba neste sábado, dia 25 de Novembro. E não volta mais. Por isso, se ficou com vontade de experimentar, é despachar-se. Pode comprar os bilhetes aqui.

     

    As crianças

    Lamentamos, mas esta experiência é interdita a menores de 18 anos.

     

    O bom

    A comida é simplesmente deliciosa

    O mau

    A experiência está quase a terminar: tem de lá ir até este sábado

    O óptimo 

    Toda a ideia e o espectáculo que enquadram o jantar

     

    Um óptimo jantar para si onde quer que os botõezinhos estejam,

    Ele

     

    fotos: casal mistério; fernando de pina mendes / pensão do amor

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
    _________________________

    Alice no País dos Bordéis
    Pensão do Amor
    Rua do Alecrim, 19, Cais do Sodré Lisboa

    Quinta, sexta e sábado ao jantar
    Obrigatória a compra de bilhete antecipada 

    T: 962 650 101
    email:pensaoamor@mainside.pt

    One thought on “o jantar mais louco e sensual do ano (atenção: este texto tem bolinha vermelha no canto)

    1. A atriz Sofia de Portugal desempenha realmente um belo papel mas,pelo que sei, a maioria das sessões teve ao cargo do brilhante Francisco Beatriz. Assisti ao desempenho deste jovem ator e o facto de ser um homem na pele de mulher dá uma piada extra à peça que já de si é hilariante. Falta-vos essa (mais que merecida) referência!

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