Não há nada melhor do que começar o ano com uma surpresa destas. E quando digo “destas” estou a falar de umas divinais cornucópias de sésamo com sapateira e maionese de kimchi. Eu sei que devia guardar o melhor prato para o meio do texto e assim criar suspense, mas isto não é um filme do Hitchcock – é o novo restaurante do chef Paulo Morais. E este é um dos melhores pratos que provámos recentemente.
Trata-se de uns cones crocantes feitos com sementes de sésamo e levemente caramelizados. A bolacha é muitíssimo leve e ligeiramente doce, o que contrasta na perfeição com o recheio: uma pasta fabulosa de miolo de sapateira que ainda leva no topo um bocadinho de maionese de kimchi. A mistura do adocicado meio caramelo dos cones com o sabor a mar da pasta de sapateira é das melhores coisas que comi este ano (eu sei que o ano só começou há 11 dias, mas eu garanto-lhe que já comi muito). E o toque exótico da maionese de kimchi deixa-lhe uma vontade imensa de repetir esta entrada.
Agora que já desabafei, aqui vai o contexto: este prato é a estrela da ementa do Rabo d’Pêxe, um restaurante que abriu no final de 2015, em Lisboa, e onde eu já fui almoçar (veja aqui), mas que, desde o Verão, tem uma nova ementa e um novo chef: Paulo Morais, ex-Penha Longa, ex-Bica do Sapato, ex-QB e ex-Umai. E uma dessas novidades são estas fabulosas cornucópias que tem mesmo de provar. Mas há mais…
A ementa
Mal se senta à mesa, trazem-lhe um saco com dois tipos de pão: um saloio e outro mais escuro. A acompanhar, vem uma boa manteiga de algas, a saber a mar, um pratinho de azeite e um óptimo paté de sapateira – leve, fresco e ligeiramente picante – onde se nota claramente o marisco. Por tudo isto paga €2,50 por pessoa. Não é propriamente barato, mas nada no Rabo d’Pêxe é muito barato.
Como fomos jantar com um casal de amigos, resolvemos cometer essa gigantesca ousadia que é pedir uns cocktails para começar. Eu não sou propriamente um rapaz que não aprecie doces – antes pelo contrário – mas, na grande maioria das vezes, acho que os cocktails servidos nos restaurantes portugueses são quase um xarope de açúcar disfarçado de bebida alcoólica. E, desta vez, os dois cocktails que pedimos mantiveram a taxa de açúcar habitual em Portugal. Um pouco melhor estava o mojito que pediu um dos nossos amigos e que eu consegui discretamente provar.
Os petiscos
O Rabo d’Pêxe tem um fantástico sushi, mas o melhor do restaurante é a mistura entre os pratos orientais e os ingredientes tipicamente portugueses. E nisso Paulo Morais é quase imbatível. Nós começámos o jantar com uma boa dose de lapas grelhadas na chapa (€28/kg). Habituais nos Açores, de onde vem uma boa parte do peixe do restaurante, as lapas são esquecidas no continente, o que é uma pena. Para mim, são uma maravilha verdadeiramente viciante, especialmente se levarem o delicioso molho de manteiga e alho que é típico nas ilhas. Aqui quase não senti o molho, mas o marisco estava fresco e bem saboroso.
A seguir, vieram as tais divinais cornucópias (€9 por quatro unidades), que não pode perder por nada deste mundo, e uma fantástica cavala fumada servida por cima de um finíssimo carpaccio de courgette e que ainda levava uns irresistíveis chips estaladiços de batata doce no topo (€7).
Ainda estava a minha querida Mulher Mistério a tentar perceber como se fumavam os filetes de cavala e já estava eu a deliciar-me sorrateiramente com o prato seguinte: umas incríveis vieiras levemente coradas acompanhadas por uma espuma de caril verde (€10). Por cima, levavam uns flocos de flor de sal que contrastavam lindamente com umas frutas desidratadas. Toda esta combinação de texturas e sabores exóticos é simplesmente perfeita.
Nesta fase, já pressinto aí desse lado dois olhos a revirarem-se enquanto o cérebro pergunta: – Mas quando é que esta gente acaba de comer?! No entanto, tenho de lhe esclarecer que, apesar de tudo isto parecer muita comida, foi partilhado por quatro bocas verdadeiramente famintas – sim, os nossos amigos conseguem ser piores do que nós!
E foi por isso que não conseguimos sair sem pedir ainda mais quatro singelos pratos, agora com carne. Primeiro, chegou uma tarte de maçã muito fininha que levava por cima uns óptimos fígados de tamboril e uma simpática barriga de porco (€8). Depois, vieram umas magníficas gyosas de rabo de boi (€8), com a carne macia, a desfazer-se, e umas rodelas de alho francês laminado. A seguir, trouxeram um dueto de tártaros (€10): trata-se de um tártaro de novilho, com uma gema de ovo curada em molho de soja e um molho de wasabi magnífico, ao lado de um tártaro de ostra picadinha muito fininha com umas bolachas feitas com a clara do ovo. A acompanhar trazem os mesmos fabulosos chips de batata doce estaladiços e bem secos da cavala fumada.
Para acabar esta recta final do jantar, pedimos um novilho à Bulhão Pato (€12). São uns nacos suculentos de novilho mal passado, acompanhados com lingueirão (que eu adoro) e servidos dentro de uma frigideira carregada com um cremoso molho à Bulhão Pato: alho, azeite e coentros.
Só com este prato é que ficámos finalmente alimentados. Mas… há sempre um mas… jantar sem sobremesa não é jantar mistério.
As sobremesas
Antes de mais nada, deixa-me dizer-te, cara balança, que este jantar decorreu no Dia da Asneira da minha querida Mulher Mistério – e ela leva a sua dieta muito a sério, o que significa que Dia da Asneira é mesmo para carregar na asneira.
Ainda ponderámos pedir quatro sobremesas, mas até o Dia da Asneira tem limites. Por isso, partilhámos três sobremesas muito pouco calóricas pelos quatro: uma pavlova com três camadas de suspiro intercaladas por frutos vermelhos, um fio de lemon curd e maracujá (€6), um mil folhas leve e estaladiço servido com romã (€6) e uma trilogia de chocolates que leva o pouco subtil nome de ménage a trois (€7) e que eu achei mais aparatoso do que saboroso.
O ambiente
Desde que fui pela primeira vez ao Rabo d’Pêxe, pouca coisa mudou: continua com um jardim coberto que é muito simpático no Inverno e com as mesas praticamente cheias. A única diferença foi que, desta vez, fiquei numa mesa para quatro que não é tão colada às mesas do lado como a outra mesa para dois em que me sentei no último almoço. Se quiser saber mais detalhes sobre o espaço, leia aqui a outra crítica.
O serviço
Teve duas enormes vantagens: foi rápido e, apesar de nós termos pedido vários pratos para dividir, não trouxeram tudo ao mesmo tempo. Foram servindo dois pratos de cada vez, do peixe para a carne e dos frios para os quentes. Pode parecer básico, mas começa a tornar-se um hábito encontrar empregados que enchem a mesa com todos os petiscos de uma só vez.
As crianças
Não tem menu infantil e, ao jantar, não vi crianças.
Leia também:
O bom
O dueto de tártaros, as gyosas e o novilho à Bulhão Pato
O mau
Os cocktails demasiado doces
O óptimo
As cornucópias de sapateira
Um excelente jantar para si onde quer que o peixe esteja,
Ele
fotos: duarte lebre de freitas; rabo d’pêxe; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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Rabo d’Pêxe
Avenida Duque de Ávila nº 42 B Lisboa
Das 12h às 15h30 e das 19h às 23h45;
De sexta a domingo, das 12h às 23h45
T: 213 141 605
Adoro o rabo d’pexe, já adorava antes de ser do Paulo Morais, mas tenho ido cada vez menos por causa do serviço. No último jantar, éramos 5 pessoas, pedimos todos o mesmo: um peixe grelhado para dividirmos. E demoraram mais de uma hora a servir. Inadmissível, muito desagradável e uma pena. Para almoçar já deixou de ser hipótese, porque ninguém tem tempo para perder nestas esperas desesperantes pela comidas, por muito boa que seja (e é).