o novo de castro na praça das flores

    O serviço

    Um ser humano entra num restaurante, olha para a direita e vê um ex-banqueiro envolvido com a justiça, olha para a esquerda e vê um casal na casa dos 70 anos, olha para trás e vê um gestor de uma empresa do Estado… Isto só pode correr mal, certo? Errado. À sua frente está uma empregada que sabe o que faz:

    – Queria uma mesa para dois, por favor. Não fizemos reserva.

    – Concerteza. Quer escolher alguma destas duas mesas com dois lugares, ou prefere aquela para quatro?

    – Mas nós somos só dois…

    – Não tem problema nenhum, era o que faltava. Se calhar têm mais espaço ali…

    É nesta fase da conversa que eu olho para ela com um ar embasbacado e tento perceber se a senhora é mesmo portuguesa ou se é uma marciana disfarçada de alfacinha. Não é. É portuguesa, é a responsável pela sala e sabe o que está a fazer: a conquistar um cliente. Habituado que estou a ser expulso das mesas às 22h15 porque está quase a entrar o segundo turno para jantar, bastou-me esta conversa para tudo o resto me saber melhor. E para querer voltar sem sequer ter começado a comer. Num restaurante cheio como estava o De Castro (aberto apenas no passado dia 9 de Dezembro), sentar duas pessoas numa mesa de quatro é um risco? Não. É um investimento. E o investimento resultou.

     

    A ementa

    Aqui você tem duas hipóteses: comer apenas petiscos ou comer pratos a sério. Nós optámos pela terceira hipótese: comer petiscos e pratos a sério. Mas vamos começar pelo princípio:

     

    O couvert

    É a grande falha do novo restaurante do chef Miguel Castro Silva, o antigo responsável pelo Bull & Bear, no Porto: o pão! O pão é fundamental num restaurante. Até pode nem ser pão artesanal ou feito num forno a lenha. Mas tem de ser definido, agradável e com um miolo suave. No De Castro não é nenhuma destas coisas: há uma broa dura que parece da véspera, uma carcaça banal que parece da semana anterior e um pão de forma tipo Pingo Doce que parece do ano passado. Num restaurante onde os petiscos são uma aposta, nem a simpatia e a competência da empregada me conseguem fazer esquecer um pão sofrível. Salvou-se a pasta de azeitona, que estava óptima.

     

     

    As entradas

    As escolhas na ementa são uma mistura de sofisticado e substancial, de moderno e antigo, de inovação e tradição. Pratos como pataniscas da horta com maionese de alho e limão, picapau do lombelo de vitela ou iscas do cachaço de bacalhau são um bom exemplo do que pode encontrar aqui. Nós optámos por uns maravilhosos ovos de codorniz com chouriço – estrelados no ponto, com a clara dourada e estaladiça e a gema líquida – e por umas lulinhas fritas com molho tártaro – as maravilhosas puntillitas espanholas, que vieram com uma cor clara (ou seja, foram fritas num óleo novo) e completamente estaladiças, mesmo depois de mergulhadas no molho.

     

    Os pratos principais

    Nesta parte, há algumas coisas de que não gosto nada e há outras de que gosto muito. É uma questão de feitio: não consigo comer pezinhos de coentrada, sou incapaz de provar rojões e só muito dificilmente pagaria €16,20 por um polvo no forno com batata a murro. Mas há outras opções. E boas opções. Provámos um óptimo fígado de vitela maronesa salteado com cebola e Porto (€11,80) e experimentámos aquele que já era a especialidade no De Castro Elias (o outro restaurante de Miguel Castro Silva, em Lisboa, na rua Elias Garcia): as amêijoas com feijão manteiga (€14,20). Não são pratos leves nem moderninhos, mas são muito bons. O fígado estava perfeito e as amêijoas fazem uma mistura surpreendente com o feijão. 

     

     

    A sobremesa

    Eu vou dizer-lhe três palavras e vai responder-me a qual delas é que consegue resistir: pudim, mel e requeijão. Agora junte as três num pudim de mel com a textura ideal (muito longe daqueles flans de pacote da nossa infância, muito mais próximo da textura de um pudim Abade de Priscos) acompanhado por um requeijão fresco fantástico. É a maneira perfeita de acabar um jantar.

     

    Os vinhos

    A oferta não é grande, mas procura fugir às marcas habituais. Nós bebemos apenas vinhos da casa. São vinhos feitos por produtores prestigiados e para os quais Miguel Castro Silva faz um blend exclusivo para os seus restaurantes. O tinto que escolhemos, o Ribeiro Santo lote Miguel Castro Silva, não surpreende por aí além, mas o vinho do Porto com o qual comemos a sobremesa, o Dalva Miguel Castro Silva, é maravilhoso: leve, pouco doce e servido muito fresco.

      

    O ambiente

    Deixámos para o fim, este pequeno detalhe: não espere um restaurante com vida, boa disposição e alegria. A média de idades está na casa dos 67 anos e meio e os poucos clientes na casa dos 50 tinham cara de 90. Nós já não vamos propriamente para novos, mas podia ser um pouco mais animado…

    E, antes de me despedir, recomendo apenas que passe pela casa-de-banho: daí consegue ouvir as conversas na cozinha. Para quem gosta de comida, pode ser um programa animado.

     

    Um bom-fim-de-semana para si, onde quer que esteja,

    Ele 

    5 comentários em “o novo de castro na praça das flores

    1. Estive no restaurante, no dia seguinte, sábado. Concordo em absoluto… experimentei também a costela mendinha que estava óptima…
      Óptimo e realista comentário!

      SO

    2. Obrigado pelo alerta. Foi, de facto, uma gralha que escapou na primeira referência que fazíamos ao chef. No resto do texto, estava o nome correcto. Isto de escrever muitos posts tem problemas destes 🙂 Agora já está corrigido, graças ao seu aviso. Por favor, avise-nos sempre que encontrar erros. Espero que não sejam muitos, mas às vezes acontece.
      Obg, Ele

    3. Peixinhos, e não pataniscas, da horta. Quanto à faixa etária predominante na noite em que foram a este restaurante, julgo que se tratará tão somente de colocar em prática tambem na restauração o apartheid etário fomentado pelo Governo Coelho.

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