Se estiver em Tavira, é menos de meia hora de carro. Se estiver em Faro, então são 50 minutos. Mas se estiver em Sagres, são quase duas horas. Seja qual for a distância, acredite que vale sempre a pena ir até Ayamonte, junto à fronteira espanhola com Portugal, para comer alguns dos melhores petiscos gourmet que vai provar na sua vida neste restaurante.
Eu até faria os 600 quilómetros desde o Porto para provar estes divinais cones de gelado de foie gras com marmelada de figo. Sim, estamos a falar de verdadeira comida de restaurante Michelin com preços dignos de casa de pasto (da última vez que lá fomos, saímos a rebolar – da comida, do vinho e dos aperitivos – e pagámos menos de 30 euros por pessoa).
O ambiente
Este verdadeiro paraíso da comida gourmet dá pelo nome de La Puerta Alta – The Culinary Bar e abriu em Março deste ano, na Plaza La Lota, no centro de Ayamonte, para substituir a antiga tasca La Puerta Ancha noutra zona da vila. O conceito é o mesmo – petiscos gourmet –, mas a ementa mudou e o espaço também.
Se antes havia uma velha e típica tasca espanhola, com barricas a servirem de mesa, hoje existe um restaurante com um ambiente mais moderno e sofisticado. Eu, que já adorava o Puerta Ancha, estava em pânico com a mudança. Mas a verdade é que a comida se mantém maravilhosa e o espaço se tornou muito mais confortável. Em vez dos antigos bancos de madeira e cadeiras de ferro duras, hoje temos uma agradável esplanada com – fundamental para a minha já provecta idade – cadeiras com assentos almofadados.
A sala interior já tem uma decoração que poderia facilmente ter sido idealizada pela Lili Caneças, com cadeiras com papagaios desenhados, relva no tecto e ananases de loiça para lhe darem um toque tropical. Se estivesse a jantar com a Carmen Miranda, teria sido perfeito. Mas como estava com a minha vasta Família Mistério, preferia alguma coisa ligeiramente mais sóbria.
O couvert
Nada disto belisca minimamente, no entanto, a fabulosa comida que se come aqui. Com excepção da desenxabida carcaça (€0,70) do couvert, tudo o resto é absolutamente delicioso. Se quiser ficar a conhecer os melhores petiscos do restaurante, então carregue na Galeria aqui em baixo.
O ceviche
Nós começámos por pedir um incrível ceviche baby de corvina (€5,90 por quatro peças). E o que é um ceviche baby?, pergunta Vossa Senhoria muito avisada e desconfiadamente. Trata-se de quatro pequenos copinhos de uma massa finíssima e estaladiça com pedaços de corvina deliciosamente temperada com lima e com uma saborosa mousse de beterraba. Para terminar, foi espalhado por cima aquilo a que chamam caviar de lima. Mais não são do que pequenas bolinhas recheadas de lima que explodem na boca a cada trincadela. Tudo isto servido num vaso, escondido entre as folhas de uma planta.
Escusado será dizer que estes pequenos copinhos que entram inteiros na boca provocam uma conjugação de sabores, texturas e sensações verdadeiramente únicas.
O gelado de foie gras
A seguir chegou a estrela da noite: os divinais cones de gelado de foie gras (€3,90 por duas peças). Fazer um gelado de foie gras suave, macio e com um equilíbrio perfeito entre doce e salgado já é suficientemente difícil. Agora servi-lo sobre uma estrondosa marmelada de figo para cortar a gordura, dentro de um delicado e estaladiço cone, e terminar com umas elegantes pedras de flor de sal por cima é quase chegar ao prato perfeito. Eu podia facilmente estar ainda agora, sentado à mesma mesa, a comer cones destes uns atrás dos outros, mas a minha querida Mulher Mistério não deixou.
A festa continuou com umas deliciosas gyosas caseiras (€5,90 por quatro peças). Vinham com uma massa leve e fininha e com um saboroso recheio feito com uma mistura de batata doce biológica e camarão al ajillo.
O tártaro de atum
E foi assim que chegámos à segunda parte da ementa: a das entradas maiores, servidas em doses individuais mas que são perfeitas para dividir.
Para começar, pedimos um fabuloso tártaro de atum (€7,20). Apesar de o peixe estar fresco, saboroso e com uma óptima consistência, é, tal como a corvina, previamente congelado, a 20 graus negativos, durante 48 horas, para evitar a contaminação por parasitas. Por isso, se é um desconfiado em relação a peixe cru, aqui pode estar tranquilo.
Depois de temperado e cortado em pequenos pedaços, o tártaro leva por cima uma divinal mousse de abacate e uma incrível salada de alga wakame. Para terminar, tem ainda ovas de peixe voador e uma imprescindível injecção de molho de soja. Digo injecção porque o que vem para a mesa é mesmo uma seringa de plástico com o molho lá dentro, o cliente injecta a quantidade que quiser no prato.
Tudo isto é acompanhado por um fantástico e muitíssimo leve cracker de arroz tingido com tinta de choco. Mais uma vez, a combinação do cracker estaladiço com a mousse aveludada, o atum macio e as ovas crocantes é qualquer coisa de me deixar com o ritmo cardíaco do Pardal Henriques em dia de greve.
O polvo e o escalope de foie gras
O nível desceu ligeiramente com o taco de polvo (€4,40). Vinha macio, saboroso – é confitado em azeite de gochujang (um molho coreano ligeiramente picante) – e com um fantástico alho negro ralado por cima, mas não me faria ir de Cacela Velha a Ayamonte só para o provar.
O que me faria seguramente ir de Lisboa a qualquer restaurante do planeta é o fantástico escalope de foie gras servido entre uma equilibrada rodela de morcela de arroz e um saboroso escalope de vieira (€9,70). Além de estar tudo delicioso e bem combinado, ainda vem acompanhado por uma redução de queijo gorgonzola magnífica e outra de cerejas e vinho tinto que é de me deixar uma semana inteira a chorar por mais como se fosse a minha querida Mulher Mistério cada vez que vê o Casablanca (podia ter falado da Culpa é das Estrelas, mas já não vamos para novos).
Os pratos principais
Não comece já a revirar esses olhos de desconfiado com a quantidade de comida porque limitámo-nos a pedir três pratos principais a dividir pelos seis (ok, alguns em doses repetidas, mas este restaurante merece um esforço digestivo).
Primeiro, chegou o menos viciante de todos: uma fantástica posta de corvina selvagem com a altura de um verdadeiro Bruno Nogueira que vinha suculenta, saborosa e cozinhada na perfeição (€15,60). Mas vinha acompanhada por um tomate confitado pelado que eu achei demasiado forte, ao ponto de abafar o sabor da corvina.
O que valeu foi que quase ao mesmo tempo chegou uma extraordinária massa fresca embebida num delicioso molho pesto e misturada com vagens de edamame (€13,50). Se fosse só isto, já estaria bem. Mas não. Por cima desta maravilha, veio o mesmo cracker de arroz e tinta de choco estaladiço do tártaro de atum e um – pausa dramática para deixar entrar a Marilyn Monroe da gastronomia – divinal carabineiro marinado que tinha tanto de suculento como de delicioso. E então aquela cabeça carregada de molho lá dentro deixa-me sempre em transe…
A festa só acabou com um risotto de cogumelos boletus e trufas (€11,90) que é ideal para aconchegar todas as outras maravilhas que comemos. O risotto estava com a consistência perfeita – o arroz levemente rijo al dente e o molho macio e cremoso – e um sabor forte e delicioso para terminar em beleza.
Os doces
Terminar é evidentemente uma força de expressão porque há sempre lugar para um docinho. Ou dois. Ou três. Mas no neste restaurante as sobremesas estão longe de ser o melhor. Nós experimentámos uma mousse de chocolate com licor de laranja, azeite e flor de sal que estava saborosa mas que se tornava demasiado enjoativa graças às natas frescas batidas que trazia por cima.
A mousse de manga também não estava má, mas também se tornava enjoativa por causa do topping de – surpresa! – natas frescas batidas.
E o único pedido que escapou a esta quase doentia obsessão por natas frescas batidas foi a tarte de limão biológico que tinha um agradável crumble crocante por cima, mas que, além de ser demasiado doce e enjoativa, levava um algodão doce cor-de-rosa que podia ter saído directamente da roulotte da feira de Ranholas.
O serviço
É mais rápido do que o Canhão da Nazaré e mais eficaz do que o António Costa a lidar com greves de camionistas. Mal nos sentámos na esplanada do restaurante, trouxeram-nos o tal pão desenxabido. Também havia azeitonas e manteiga, mas nem as vimos porque poucos minutos depois começaram logo a chegar as entradas-aperitivo.
Apesar da rapidez do serviço, tiveram o cuidado de ir trazendo os pratos aos poucos para não sobrecarregarem a mesa, o que é sempre útil quando estamos a dividir tudo entre todos.
Os empregados foram sempre simpáticos e ajudam tanto a sugerir o número de pratos ideal para o número de pessoas como a adaptarem as quantidades de peças individuais em cada dose para que cada um possa provar uma peça.
As crianças
O restaurante tem um menú infantil se bem que os nossos filhos já comam como gente grande. Se tiver filhos pequenos, pode sempre optar por uma massa (€6,50), um hambúrguer (€5,70) ou até um bife de frango (€5,70).
O bom
Toda a comida em geral, especialmente as entradas e as mini-entradas.
O mau
O pão e o excesso de natas nas sobremesas
O óptimo
Os cones de gelado de foie gras com marmelada de figo. Não perca isto por nada deste mundo!
Um óptimo jantar para si onde quer que esteja (se for no Algarve, melhor!),
Ele
fotos: casal mistério; mister wils
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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Plaza de la Lota, nº 10, Ayamonte, Espanha
Das 13h30 às 16h30 e das 19h30 às 23h30
Fecha às segundas-feiras
Tel: 0034 633 667 603
A informação está errada e levou-nos ao engano. O Puerta Alta não tem nada a ver com o Puerta Ancha, que ainda existe, que é indiferente para não dizer pior e onde infelizmente caímos!
Centenas de km’s para nada!
Mas é preciso ser extremamente ignorante para não conseguir acertar no restaurante indicado, parece-me…