Há precisamente dois meses, 11 dias, 21 horas e seis minutos que eu sonho com este jantar. Primeiro, porque é iniciado com gin. Depois, porque é acompanhado com gin. E, finalmente, porque é terminado com gin. Eu sei que pode parecer obsessão mas para mim juntar um bar de gin e um restaurante fantástico no mesmo sítio é como ter o Batatoon e o Companhia no mesmo circo.
O ambiente
O Less é um dos mais recentes espaços de Lisboa. Inaugurado em Novembro passado, está dentro do novíssimo bar da Gin Lovers naquele que é um dos espaços mais bonitos de Lisboa: a Embaixada, um palacete neoárabe do século XIX transformado em galeria de lojas. O restaurante fica no andar de baixo, num átrio rodeado de colunas enormes e com um pé direito onde cabem 10 clones do Bruno Nogueira às cavalitas uns dos outros e ainda com os braços esticados. O chão, as paredes e o tecto são verdadeiras obras de arte e conseguem criar um ambiente único para um bar.
À hora do almoço e ao início do jantar, o ambiente é calmo e típico de restaurante. A partir da meia-noite, o volume da música começa a subir e o espaço a encher-se de pessoas que vão simplesmente beber um gin. Nós, na flor da idade ligeiramente provecta, fomos jantar com um casal amigo a uma hora ainda decente e com pouca gente (a altura do pé direito e o espaço entre as mesas também ajudam ao ambiente arejado).
A ementa
Prefere começar pela ementa da comida ou dos gins? Calculei.
Os gins
Devo avisar que são duas páginas de ementa que correspondem a qualquer coisa como 120 gins, isto se eu conseguir fazer contas com mais clareza do que o ministro das Finanças. No meio desta loucura de gins, e sem conseguir disponibilizar os 52 minutos necessários para ler as descrições de todos eles, entreguei-me desamparado nos braços do empregado que me recomendou o fantástico gin Sul, servido com limão e hortelã e acompanhado com tónica Fever Tree Indian (€15). Ela, sempre obcecada pelo binómio gin-frutos silvestres, escolheu um óptimo Bloom servido com morangos e tónica 1724 (€10). Os nossos amigos preferiram cerveja. Cerveja?! Num bar de gin?! É verdade, nem todos somos perfeitos.
Os pratos
Este é um restaurante de petiscos. Não daqueles petiscos calóricos, como as lascas de batata ou os croquetes de alheira, senão eu já teria sido expulso de casa a pontapé. Este é um restaurante de petiscos saudáveis, como tártaros, marinados, vieiras, gyozas e outras loucuras do mundo da gastronomia anti-gordura. É claro que pode armar-se em dono da bola e pedir o tártaro só para si mas, apesar de beberem cerveja, os nossos amigos não chegaram a tanto. E, por isso, partilhámos tudo.
Primeiro começámos por pedir uma tábua de queijos (€7,50) que foi claramente o menos interessante da noite. Apesar de vir acompanhada por um bom doce de abóbora e por umas fantásticas torradas aparadas em palitos, a variedade dos queijos não é muita. No entanto, como o objectivo era substituir o couvert, passou perfeitamente.
Os tártaros
A seguir, partimos em busca dos famosos tártaros. O de corvina com abacate (€12,50) é claramente melhor do que o de salmão com maçã verde (€8). Além de vir com um delicioso leite de açafroa (uma planta originária dos Açores e que, ainda por cima, segundo um estudo de uma universidade americana, ajuda a eliminar a gordura do corpo), tem os sabores suaves e equilibrados – e a corvina é um peixe maravilhoso. O de salmão, pelo contrário, estava ácido demais para o meu gosto, com um excesso de lima que ainda era potenciado pela acidez da maçã verde.
Os pratos principais
Na segunda ronda de petiscos, chegaram umas vieiras com creme de milho e pimenta rosa (€8). As vieiras vieram braseadas e mal passadas por dentro (Ela achou mal passadas demais, eu nem tanto) por cima de um óptimo creme doce e aveludado (talvez ligeiramente doce demais). Infelizmente a dose só traz duas vieiras, por isso alguém teve de abdicar da comida para não caírmos no ridículo de dividir duas coisas tão pequeninas. Entre cerimónias e mais um golinho de cerveja, os nossos amigos mostraram que são bastante mais bem educados do que nós, para alívio Dela que estava agarrada à sua vieira como se tivesse sido besuntada com Super Cola 3.
E finalmente, o momento alto da noite, o apogeu da refeição, o pináculo do banquete, o zingamocho do jantar (ok, esta já foi demais…). Estou evidentemente a falar dos raviolis de abóbora assada (€8). São umas finíssimas bolsas, quase transparentes e recheadas com um creme de abóbora assada que mistura um delicado sabor a assado com um toque doce viciante. Como se isto não bastasse, os raviolis vêm por cima de um molho aveludado e delicioso e são salpicadas com umas lascas de queijo com a grossura de uma folha de papel e umas amêndoas tostadas e crocantes ao trincar. As texturas dos raviolis, do recheio e do molho são perfeitas e o contraste entre o adocicado da abóbora e o salgado do queijo é magnífico.
É claro que isto não é suficiente para duas bocas misteriosas, mesmo com pretensões a estarem de dieta. E foi por isso que ainda aconchegámos o estômago com uns mini-hambúrgueres no pão (€8,80), acompanhados com chips de batata ágria e uma óptima salada de agrião. Mas primeiro, as batatas. Uns bons chips, fininhos, estaladiços e saborosos quase fazem sozinhos uma refeição. E a batata ágria, além de ser muitíssimo saborosa, é também provavelmente a melhor batata para fazer chips. Aqui vem com casca e com a quantidade ideal de sal, sem um pingo de gordura a mais.
Quanto aos hambúrgueres (dois por dose), trazem um fantástico escalope de fígado por cima, umas chalotas cortadas fininhas e um magnífico molho de Vinho do Porto.
A sobremesa
Para acabar a refeição em grande, tivemos de experimentar a mousse de chocolate (€4). Além de ser espessa e consistente, vem acompanhada de uma deliciosa bolacha de amêndoa e de umas amêndoas lascadas por cima.
O serviço
Primeiro, as coisas boas: simpáticos e atenciosos, os empregados são capazes de responder a quase todas as perguntas que lhes colocar – mais sobre os gins do que sobre a comida. Além disso, tiveram o cuidado de não trazer todos os pratos ao mesmo tempo, como acontece frequentemente nos restaurantes de petiscos obrigando-nos a comer como um aspirador da Hoover para não deixar a comida arrefecer. Aqui não: chegaram primeiro os tártaros, depois os raviolis e as vieiras e no fim os hambúrgueres.
No entanto, não foi propriamente a coisa mais rápida do mundo. Mesmo no início do jantar, quando o restaurante estava calmo e com pouca gente – antes de começarem a chegar os clientes para o bar –, os empregados desapareciam às vezes durante longos períodos de tempo, tornando-se difícil pedir.
As crianças
Não tem menu infantil. De noite, não tem ambiente para miúdos. Ao almoço, é um sítio simpático para as crianças, com espaço, muita luz e um palacete inteiro para eles andarem a passear. E podem comer sempre os hambúrgueres.
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O bom
O ambiente, a decoração e o facto de ter restaurante e bar de gins no mesmo sítio
O mau
A demora do serviço
O óptimo
Os raviolis de abóbora assada
fotos: gin lovers; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.