A Primavera chegou. A flores desabrocharam, os passarinhos começaram a cantar, os campos vestiram-se de verde e o Miguel Horta e Costa tirou o seu blazer de marinheiro do armário. É verdade: tudo é perfeito. E tudo é também um programa imperdível. Ver ao vivo aquela conjugação cuidadosamente preparada do azul escuro do blazer com o dourado do brasão do Clube Naval de Cascais no bolso, o bege das calças e a “bicoloridade” dos sapatos de vela com a carapaça superior em azul e a sola em branco – parece que este ano foi abandonada a moda do múleos de veludo bordeaux com o brasão de Horta e Costa debruado a dourado por cima – é um momento alto da estação.
Enfim, é um assunto de tamanho impacto social que nos daria para dezenas de milhares de caracteres de conversa. Mas o que para aqui importa é que, mal vesti a minha T-shirt de manga cava primaveril para ir almoçar fora num domingo de sol e calor, dei de caras com o blazer abrasonado de Miguel Horta e Costa. E onde é que esta honrosa coincidência se deu? No novo restaurante Maria Pia, no Clube Naval de Cascais.
O ambiente
Aberto há uns meses, para substituir o velho Marégrafo, o Maria Pia Seafood Lounge (eu sei, o nome é um bocadinho nhonhocas…) levou um dos mais impressionantes banhos de loja que a Humanidade já conheceu. Onde antes existia um espaço frio e impessoal agora está uma sala com recantos, uma esplanada fantástica e uma vista surpreendente para a baía de Cascais.
Há um spot com dois cadeirões, uns pufes e um janelão gigantesco para o mar. Há também uma zona com uns sofás confortáveis, para beber um copo enquanto espera. E há maravilhosas fotografias antigas com senhoras, de vestido comprido e sombrinhas, a passearem pelo paredão. A decoração é toda em tons de branco, bege, verde água e cinzento e, de um dos lados do restaurante, as paredes são totalmente em vidro. Mas o melhor sítio para almoçar é a varanda em cima de um deck de madeira, com mesas e cadeiras de madeira escura. Mesmo nos dias de vento – como aquele que estava quando lá fomos – é abrigada e agradável. O único inconveniente é o barulho dos cabos a baterem nos mastros, mesmo ali ao lado.
A ementa
A festa começa com dois tipos de pão: um pão rústico bom e fresco e uma ainda melhor chapata com azeitonas. Ao lado, servem-lhe um azeite com coentros e alho picado que sabe pouco a alho e duas manteigas: uma tradicional muito boa e uma surpreendente manteiga de beterraba que só não é perfeita porque podia ter um sabor ligeiramente mais acentuado. Ambas as manteigas levam uns delicados grãos de flor de sal por cima, o que nos dá aquela maravilhosa sensação de trincar o sal à medida que mastigamos o pão. Tudo isto é servido em cima de simpáticas tábuas de ardósia e custa €2 por pessoa.
As entradas
Com a quantidade de reforços de pão que a digníssima Família Mistério resolveu pedir enquanto escolhia, já não sobrou espaço para muitas entradas. Optámos, por isso, por dividir duas pelos seis. E foi pena, porque estavam fantásticas. Os mexilhões com molho de espumante bruto (€9) têm duas vantagens: primeiro, demonstram a louvável honestidade do restaurante. Enquanto uns chamam champanhe a qualquer vinho gaseificado que juntam à comida, o Maria Pia tem a decência de chamar espumante ao espumante. E faz muito bem, porque o molho espesso e feito com espumante, manteiga, azeitonas e pimentos picados é simplesmente maravilhoso.
Ao mesmo tempo, veio um tártaro de atum fresquíssimo (€8) com ovas por cima e um sabor intenso a ligeiramente ácido. É claro que, no meio da sofreguidão-mistério, sobraram-me uma colherita e meia de atum.
Os pratos principais
A ementa divide-se em mariscos, alguns peixes, risottos e bifes. Tudo leva molhos, por isso se procura um simples peixe grelhado, está no sítio errado. A vantagem é que também não paga os preços dos restaurantes de peixe grelhado em Cascais.
O duo Ele e Ela dividiu dois pratos para poder provar o máximo de comida possível. Primeiro chegou um linguine negro com vieiras chapeadas que, além das vieiras tostadas por fora e suculentas por dentro (perfeitas!), trazia ainda uns bons mexilhões e um óptimo molho de azeite e alho. Único problema: os mexilhões podiam vir sem casca, o que, no meio de tanta massa e tanto azeite, teria evitado aquelas três nódoas de gordura que formaram um triângulo maçónico na camisa branca Dela.
A seguir vieram uns lombos fritos de robalo por cima de um risotto de algas. Além do peixe muito fresco e nada seco, as algas são deliciosas folhas estaladiças cuidadosamente colocadas sobre o arroz. O risotto tinha um fantástico sabor a mar, mas podia estar ligeiramente menos empapado.
As crianças
Os mini-misteriosos escolheram uns pregos (€8) com arroz (Ela aboliu as batatas fritas do seu ângulo de visão desde que entrou de dieta) e salada mista (€1,50) e um spaghetti à bolonhesa (€7). Em ambos os casos, não sobrou uma única migalha, o que me leva a acreditar que era capaz de não estar mau.
O serviço
Aturar seis almas famintas que ocupam quase toda a varanda e comem pão como quem come tremoços não é uma tarefa fácil. Os empregados cumpriram sempre pacientemente e reorganizaram a esplanada para receber toda a equipa de futsal em peso. Sem simpatias especiais, mas com toda a disponibilidade.
O bom
A comida
O mau
O barulho dos cabos a bater nos mastros
O óptimo
A varanda e a vista maravilhosa
Uma boa Primavera para si onde quer que o Miguel Horta e Costa esteja,
Ele
fotos: maria pia; casal mistério