Antes de qualquer outra coisa, tenho de fazer uma declaração de interesses: estou a escrever este texto com o mesmo nível de stress que o pai do Marty McFly sentia cada vez que se aproximava do Biff, no filme Regresso ao Futuro. Não é que o chef Ljubomir Stanisic costume bater na cabeça das pessoas a perguntar se está “Anybody home”, mas convenhamos que escrever sobre um restaurante supervisionado por alguém que aparece no jornal Expresso a destruir uma mesa de jantar com um martelo para demolir paredes é tudo menos tranquilizador. Especialmente se tivemos de esperar mais de meia-hora para que nos trouxessem a ementa das sobremesas. Mas já lá vamos. Antes, é preciso falar da decoração deste hotel na Comporta, perto de Grândola.
O ambiente
Desde que abriu, em 2014, que o Hotel Sublime é para mim um dos mais espectaculares do país. Os exteriores de madeira, as janelas gigantes, a decoração simples – tudo isto deixa a minha querida Mulher Mistério com o coração a palpitar. E tudo isto existe também no restaurante do hotel, o Sem Porta, que foi renovado na Primavera deste ano, depois da contratação de Ljubomir Stanisic como chef consultor.
Foi o ex-apresentador de Pesadelo na Cozinha, da TVI, que idealizou o novo projecto, criou a ementa, supervisiona tudo e até decidiu construir uma horta biológica, com mais de 300 espécies, que fornece o restaurante.
Quando entra no hotel, não tem nada a separá-lo do restaurante ou do bar. Fica tudo no mesmo espaço aberto e amplo, com um pé direito enorme, o tecto em madeira e a parede do fundo toda coberta de janelas, o que lhe faz parecer que está sentado no meio do jardim de oliveiras que existe no exterior.
Em todos os recantos, há detalhes maravilhosos: os candeeiros de colmo, a parede de tijolo antigo, as árvores no meio da sala, o tecto em bico, até as casas de banho são únicas, com os lavatórios rústicos feitos com enormes pedras maciças.
Tudo no Sublime foi feito a pensar nos pormenores. O resultado é um ambiente confortável e descontraído, perfeito para quem está a passar umas férias na praia.
A ementa
À chegada, fomos recebidos por uma simpática senhora que nos indicou a mesa reservada. Sentámo-nos, trouxeram-nos a ementa e a seguir o couvert, num ritmo confiante que em nada fazia prever a espera cruel da segunda metade do jantar.
O couvert
Com uma oferta de quatro tipos diferentes de pão, a minha querida Mulher Mistério acanhou-se e pediu apenas um agradável pão alentejano que, no entanto, podia ter a côdea mais estaladiça. Eu, sem crises de consciência dietéticas, preferi provar cada um dos outros três pães disponíveis: uma fatia de foccaccia levezinha e húmida, um bom e macio pão de alfarroba e um normal pão de cereais. A acompanhar, vinha uma cremosa manteiga de citrinos com cebolinho e um azeite suave e agradável.
Enquanto a minha querida Mulher Mistério roubava sorrateiramente a minha foccaccia… e o meu pão de alfarroba… e o meu pão de cereais… trouxeram um amuse bouche razoável: uma salada de pepino, com sésamo e um polvo tenrinho. Tinha um toque meio adocicado que ficava bem, mas melhoraria bastante se viesse mais fria e se o polvo fosse mais suculento.
As entradas
Como fomos com uns amigos nossos que comem com a mesma alegria um chuletón de novilho maturado como um empadão de carne congelado (especialmente ele), conseguimos escolher quase todas as entradas e dividi-las pela mesa. Começámos com uma maravilhosa sopa fria de morango (€14) com um gelado de queijo e poejo no centro. Trazia ainda um crumble de broa crocante, que contrastava lindamente com a textura aveludada do creme, e umas azeitonas desidratadas salpicadas por cima. A combinação do creme de morango doce com o gelado de queijo forte e intenso é óptima.
A seguir chegaram umas deliciosas vieiras marinadas com puré de beldroegas e couve-flor e pinhões tostados (€18). Não fosse esse ligeiro detalhe de os pinhões tostados prometidos na ementa (87,50/kg no Continente) terem virado avelãs tostadas no prato (24,95/kg no Continente), sem qualquer aviso prévio, tudo teria sido perfeito. As vieiras estavam saborosas e cortadas fininhas, o puré cremoso e por todo o prato havia ainda umas fatias finíssimas, quase transparentes, de vieiras desidratadas com um sabor magnífico.
O terceiro prato escolhido por nós foi um tártaro de cavala bem equilibrado e com uma boa e cremosa mousse de abacate. Trazia ainda um pão fininho e crocante tostado que ficava lindamente a acompanhar o tártaro.
As entradas terminaram com um prato quente, a única imposição dos nossos amigos. Tratou-se de uma salada quente de cogumelos e espargos com ovo escalfado e molho bearnaise (€16). A mim pareceu-me ligeiramente enjoativa a quantidade de molho, que ocupava mais de metade do prato. Mas o nosso amigo fã de empadão adorou. Para agravar o choque calórico da minha querida Mulher Mistério, ludibriada pela palavra “salada”, ainda vinham uns croutons por cima do molho. Salvaram-se os espargos crocantes, o ovo com a gema bem líquida e umas batatas fritas finíssimas, quase transparentes e ultra-estaladiças.
Os pratos principais
Acabadas as entradas, a mesa dividiu-se e as desilusões multiplicaram-se. Eu pedi um pargo acompanhado por um arroz de lima e clorofila com umas ovas de truta por cima (€28). A clorofila é um pigmento natural que dá o verde às folhas das plantas e que deu também uma cor surpreendente ao arroz. Com a consistência cremosa de um risotto e um equilibrado sabor a lima, o arroz estava óptimo. O problema foi o peixe: insosso, pouco saboroso e tão seco que me obrigou a deixar quase metade no prato.
A minha querida Mulher Mistério optou por um tataki de vaca maturada (€39) que tinha tanto de tataki como o Tony Carreira tem de originalidade musical. Segundo o prestigiado jornal japonês The Japan Times, o termo tataki usa-se “quando a comida é rapidamente braseada no exterior, deixando cru o interior”. Não é mal passado, não é médio-mal – é cru. Alguns chefs chegam mesmo a mergulhar a carne ou o peixe em gelo depois de brasear, para que não continue a cozinhar. Outros, refrescam-no com uma ventoinha para não perder o sabor.
Ora, eu não seria capaz de pedir tanto, mas, pelo menos, uma carne mal passada por dentro. O que chegou à mesa foi uma carne mergulhada num molho quente e cozinhada quase na totalidade. Olhando com muita atenção, era possível vislumbrar um levíssimo tom rosado mesmo no centro de cada fatia, mas nada que se aproximasse de um tataki. Ao lado, trouxeram um ovo com molho bearnaise e trufa, o que ajuda sempre a tentar fazer esquecer um prato desinteressante.
Os nossos amigos optaram por um linguado para duas pessoas (€60 pelos dois) que estava suculento e bem cozinhado, mas ligeiramente insosso. A acompanhar, vinha uma boa açorda de ovas de bacalhau: saborosa e com uma consistência suave.
As sobremesas
Para tentar recuperar do desânimo provocado pelos pratos principais, tudo o que me apetecia era uma sobremesa. Mas esse é um processo demorado no Sem Porta. Depois de oito minutos de espera para que nos levantassem os pratos sujos, aguardámos mais 12 minutos pela ementa. Ao fim de uma penosa soma de 20 minutos de espera, decidi chamar uma empregada e pedir a lista. Mais 11 minutos de suspense. No horizonte, a empregada a quem pedi a ementa serviu a mesa do lado, levantou outra mesa sem ninguém, limpou mais uma mesa vazia e pôs os pratos para o dia seguinte. Terceira tentativa: novo pedido de ementa a outra empregada. A ementa chegou ao fim de 32 minutos – é mais do que um atleta demora a correr os 10 mil metros.
Ultrapassada a expectativa, pedimos duas sobremesas para dividir: um gelado de bolacha Maria com espuma de queijo de Nisa e doce de morangos que achei muito doce e ligeiramente enjoativo; e uma sericaia com gelado e tiras de queijo de figo razoável mas nada de extraordinária.
O serviço
É educado, não demasiado simpático e pouco sorridente. A meio do jantar, começou a funcionar em câmara lenta, tornando-se quase desleixado. E não foi só por causa dos 32 minutos de espera pela lista das sobremesas e dos pratos sujos em cima da mesa – o que, num restaurante onde se paga 70 euros por pessoa ao jantar, é ligeiramente difícil de compreender.
Também no final do jantar, tivemos uma nova experiência em slow motion: trouxeram a conta mas não voltaram para receber o pagamento. Esperámos nove minutos, enquanto os empregados colocavam as mesas para o dia seguinte. Mas acabámos por desistir: levantámo-nos e fomos pagar ao balcão.
As crianças
Ao jantar, não tem menu infantil.
O bom
A decoração maravilhosa
O mau
O pargo insosso e seco e o tataki de vaca bem passado
O péssimo
A demora do serviço no final da refeição
Leia ainda:
- Roteiro de sonho na Comporta
- O delicioso ouriço do mar do restaurante do chef Ljubomir Stanisic
- Sublime Comporta, um refúgio de charme a uma hora de Lisboa
Uma óptima espera para si onde quer o jantar esteja,
Ele
fotos: sublime; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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Sem Porta
Hotel Sublime
Estrada Nacional 261-1, Muda, Grândola
Das 13h às 15h30; das 20h às 22h30
T: 269 449 376
www.sublimecomporta.pt
Nisa, com ‘S’ 😉
Aconteceu-nos o mesmo este sábado na Cantina Peruana do Avillez. 37 minutos à espera da carta (pedimos umas 3 vezes mas quem têm as cartas não é quem serva as aguas, quem serve as águas não tira pedidos, quem tira pedidos não serve couvert), sem couvert ou bebidas. Uns bons 40 minutos à espera do meu segundo cocktail, uns outros tantos à espera da água. Foi o jantar mais demorado do ano, mas a comida, essa, M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A.
Falando por experiência própria: quando algo semelhante se repetir, sugiro que se levante e tente abandonar o restaurante. Garanto-lhe, que a partir daí, o serviço se tornará, quase, expresso.
Tem toda a razão. Obrigado pela correcção.
Já nós tivemos a experiência contrária, quase… Serviço impecável e rápido, a comida deixou um pouco a desejar, pelo menos no sabor.
Afinal era pargo ou linguado?
🙂
Boa tarde,
Eu comi um pargo, os nossos amigos um linguado.
Obg,
Ele
Tive exactamente a mesma experiência na noite de Agosto em que decidir ir ali jantar com a minha mulher e 2 casais amigos.
Também escolhi “tataki” de carne maturada e as 2 fatias que tinha no prato voltaram quase intactas para a cozinha (coisa rara de me acontecer, nem que seja por consideração a quem trabalha lá dentro. Mas não deu mesmo…).
O ruido da preparação das mesas para o dia seguinte foi muito irritante, quando havia clientes a meio do jantar e a precisar de atenção. Inaceitavel para o preço que se paga (Eur. 70 por pessoa).
O preço dos vinhos é escandaloso e não se percebe o critério.
Antes do jantar e até ao bar (inclusive) tudo absolutamente impecável.
Vale a pena ir a sublime mas não para jantar (é uma pena porque conheço outros restaurantes do chef onde tive a experiência oposta)
Agora fiquei sem saber bem o que se incluía no preço, dado que não se refere a bebidas. Há um comentário que refere ser uma pipa de massa, o vinho. Ou seja, facilmente se atinge os 90,00 € por pessoa (bebendo pouco). Ora valha-me Deus. P´ra mim não dá. Venham aqui, ao Minho. Encontram umas senhoras que cozinham lindamente e o vinho, seja verde ou maduro (eu gosto é deste), mesmo de excelente referência é sempre acessível. E o preço é seguramente metade. Bom apetite.
Ainda bem que li os comentários e o texto inicial: para além dos preços absurdos, qual especulação possível, o serviço chumbaria certamente no próprio programa que ele fez na TV.
Caro amigo a cronica torna-se insuportável com o numero de vezes que escreve “a minha querida Mulher Mistério”,para além disso a não ser por interesse comercial acho que não aprecia boa comida,pois ir ao Alentejo comer nesses restaurantes da “moda” deixe-se de chefes e procura uma tasca genuína e vai ver o que é comida,só que essas não lhe trariam rentabilidade será!
O Chef manda perguntar a vossa morada para vos ir partir os dentes !
Por favor !
Não é na Comporta, é lá perto, é ali pra esses lados…perto de Grândola? Sim, e de Alcácer do Sal…baaah isso que importa
O que é feito do nosso cozido à portuguesa, das tripas e da sopa de couve e feijão?
Passou de moda?
Nada contra, quem quer vai, mas 70€/pessoa são muitas horas de trabalho para a grande maioria dos portugueses.
Mas estes, não podem andar na crista da moda, certo?
Mas gostei do seu relato desse jantar quase perfeito.
Não sou santo, já experimentei também, e ganhei uma intoxicação, que ainda hoje não entendi a causa.
Tudo fresco! Pois me enganem que eu gosto.