Quando entramos num restaurante em pleno mercado de Shoreditch e somos atendidos por um ex-manequim português famoso isso é… uma grande excitação… mas não será propriamente uma grande surpresa já que a Taberna do Mercado é a última aposta do português Nuno Mendes.
Lembra-se dele? Foi o chef d’ O Viajante, em Londres e, ao fim de oito meses, já tinha uma estrela Michelin, sendo considerado um dos 50 melhores restaurantes do mundo. Atualmente é o chef do famosíssimo Chiltern Firehouse, o poiso preferido dos paparazzi em Londres, tal a quantidade de estrelas por metro quadrado. Como infelizmente não conseguimos mesa no Chiltern Firehouse (é preciso marcar com semanas de antecedência), fizemos questão de ir conhecer o novo espaço de Nuno Mendes no Mercado de Spitafields, um dos meus atuais sítios preferidos na capital britânica, onde aproveitei para fazer umas comprinhas.
O ambiente
À chegada, perguntaram-nos se preferíamos sentar-nos na esplanada ou no interior do restaurante. Gostámos mais do ambiente do interior, claramente mais calmo do que a esplanada, que dá para o mercado e é bem mais confuso. A esplanada, em tons de madeira, paredes de tijolo e alguns apontamentos de cortiça tem logo, à primeira vista, um je ne sais quoi de português. Eu, orgulhosamente tuga, senti-me imediatamente em casa.
Lá dentro, o ambiente é descontraído e a decoração é simples e despretensiosa. Quase minimalista, em tons de branco e preto, o espaço tem mesas redondas e quadradas com tampo de mármore e cadeiras de madeira clara. O chão de madeira e as portadas escuras contrastam com as paredes de pedra pintadas de branco e todo o restaurante recebe luz natural através de umas enormes janelas com vista para uma das entradas do mercado.
O almoço
O “nosso” manequim sugeriu-nos uma imperial Super Bock super fresca enquanto escolhíamos os pratos. Aceitámos com um sorriso. Porque é que adoramos ouvir nomes familiares quando estamos fora do país? Será patriotismo ou saloiice pura e dura? Um minuto depois, voltava para pedir desculpa porque o barril acabara e tínhamos de esperar “um bocadinho” enquanto o trocavam.
– Não há problema nenhum.
A simpatia desarma qualquer contratempo.
O conceito da Taberna do Mercado é a partilha de petiscos, bem acompanhados com vinhos e bebidas nacionais (Licor Beirão, Água das Pedras, Compal, etc.), pois claro. E os petiscos, neste caso, são a interpretação de Nuno Mendes de pratos tipicamente portugueses. Por isso, não estranhámos quando vimos uma mistura bem-humorada de termos portugueses e ingleses na ementa como: “Green Bean Fritters and Bulhão Pato”, com que obviamente abrimos logo as hostilidades.
Em vez de couvert, a ementa sugere snacks como este e outros, como a “Alentejo’s Cucumber Salad” e os incontornáveis “Prawn Rissóis” (que dispensei porque obviamente a minha dieta não me permite determinadas extravagâncias, como ingerir rissóis de camarão). Optámos pelos Green Bean Fritters que não eram mais do que uns deliciosos peixinhos da horta, fritos numa espécie de tempura e colocados sobre um molho de bulhão pato ótimo. Vinham todos colados uns aos outros mas eram surpreendentemente leves e saborosos.
Continuámos a partilhar petiscos e seguiu-se uma sugestão do nosso empregado modelo:
– Os enlatados são ótimos.
Os “enlatados” são o que Nuno Mendes intitulou de “House Tinned Fish”. Não se assuste. São umas pequenas porções de peixe fresquíssimo que chegam à mesa dentro de latas de conservas. Havia truta, cavala e vieiras mas nós optámos por uma lata com bochechas de tamboril com um molho de azeite e chalotas e amêndoas tostadas. Andámos basicamente à luta para ver quem conseguia comer mais porque a dose é pequena. No prato, vinham ainda umas fatias de pão torrado (que não resisti a ensopar no molho quando comecei a ver o fundo da latinha) e uns picles de couve-flor que eu, pessoalmente, dispensava.
A seguir, não sei o que nos passou pela cabeça para pedir um “Bisaro Pork Tartare”, ou seja, um tártaro de… porco. Confesso que foi pura curiosidade. Foi provavelmente a maior desilusão que tivemos na Taberna do Mercado. O tártaro era basicamente uma carne de porco cozinhada e cortada aos quadradinhos, bem temperada e super tenrinha, com um caldo de cozido e cebolinho por baixo e uma couve por cima, que sabia a… uma bifana. Não era uma bifana qualquer, porque a carne desfazia-se e estava muitíssimo bem temperada, mas não deixava de saber a uma bifana.
Claro que nem tivemos tempo de nos arrependermos porque quando ainda estávamos a experimentar o tártaro de bifana, eis que chega à mesa umas “Roscoff Onion and Sorrel Migas” que é como quem diz: migas de cebola pura e simplesmente ma-ra-vi-lho-sas! Ótimas. Deliciosas. Tinham couve, azedas, cebola e ainda cebola caramelizada. A consistência das migas atingiu o limiar da perfeição: tostadas por fora, desfaziam-se por dentro. Escusado será dizer que houve nova batalha até à última migalha.
E agora é aquele momento em que está a pensar: bom, já iam para a sobremesa, não? Não, claro que não. Nós temos uma missão: provar o maior número de pratos possível, por isso a saga continuou com um “Ratte Potato, Terrincho Cheese and Eggs”, uma interpretação muito própria dos velhos e deliciosos ovos verdes. Só que estes ovos não vinham inteiros. Vinham num prato aos bocadinhos, misturados com puré de batata, queijo, cebola e alho crocantes, couve, também ela crocante, e pequenos pedaços de batata cozida. Eram muito saborosos, sobretudo o contraste do puré com os ingredientes crocantes. Só dispensava a batata cozida.
E finalmente, não resistimos a pedir o “Cod Tongue à Brás”, o inevitável e típico bacalhau à Brás. O aspeto e a apresentação cuidada prometia e, de facto, era bom: com as lascas a desfazerem-se, feito com uma ótima batata palha, era demasiado líquido para o meu gosto. O sabor cumpria mas não se compara ao famoso Bacalhau à Brás do José Avillez, por exemplo.
E chegámos ao momento mais aguardado do almoço: foi praticamente por causa de uma certa sobremesa que nos metemos no avião e rumámos até Londres. Batam os tambores e oiça com atenção, I shall say this only once: “Abade de Priscos and Port Caramel”. Ok, vou traduzir: Pudim Abade de Priscos com Vinho do Porto Caramelizado e Flor de Sal. É pura e simplesmente genial e é um autêntico sucesso entre os críticos britânicos que acham a maior excentricidade do mundo uma sobremesa feita com banha de porco. Aqui, sim, a perfeição foi atingida. Sem ser enjoativo (e eu acho o pudim original muito enjoativo), tem uma textura incrível e homogénea que conjugada com o molho de Porto a flor de sal por cima, meu Deus, é divinal! Só não pedi um babete para limpar a baba, porque tive vergonha do empregado-manequim.
O serviço
Rápido, simpático e em português, o que tornou a refeição ainda mais agradável (o facto de sermos atendidos em português obviamente, não o facto de, por acaso, ser um manequim relativamente conhecido). A conta veio ao mesmo ritmo dos pratos, ou seja, rapidamente, numa lata de conserva redonda. E, surpresa das surpresas, não é nada caro, para a média de preços praticados em Londres: cada prato varia entre as €6,65 e os €18 (o prato de ostras com arroz de coentros).
O bom
O ambiente e os Peixinhos da Horta
O ótimo
As Bochechas de Tamboril, as Migas de Cebola e o Abade de Priscos
O mau
O Tártaro de Porco
Um grande bem-haja para o Nuno Mendes, onde quer que ele esteja,
Ela
fotos: casal mistério, the guardian e taberna do mercado
Ainda n tive oportunidade de visitar pq raramente vou pra esse lado da cidade. Tenho imensa curiosidade. Ele vai abrir um outro novo a partir de uma campanha de crowdfunding
como é que eu só descobri este blog agora? estou apaixonada!! não vos sigo aqui porque não consigo mas estão na minha pasta de favoritos definitivamente! (e em todas as outras redes sociais possíveis também estão ahah)
Beijinhos 🙂
https://www.petisconamesa.com/
Percebo que façam sempre nas vossas críticas “o bom, o ótimo e o mau”, mas neste caso e pela vossa própria descrição parece-me injusto o vosso mau, dado que não estava mau, apenas não surpreendia (mas não deixa de ser um prato português reinventado que até pode surpreender os londrinos, e ao que dizem, bem confecionado e com carne de qualidade)
Mas… quem é o manequim?
Olá,
Muito obrigado pelo seu comentário, mas tenho que confessar que de facto não gostei muito do tártaro de porco. Comparando com os restantes pratos, era claramente inferior. A ideia era boa mas a verdade é que não correu bem. Obrigada, Ela
Olá,
Não revelei a identidade do manequim porque não sei se ele gostaria que o fizesse. Por isso, optei por não dizer o nome dele para preservar a sua privacidade. Espero que compreenda. Obrigado, Ela