sabe onde provámos a melhor sobremesa dos últimos anos?

    Há um ensinamento que tem guiado desde cedo a minha vida e que aprendi com os mais antigos filósofos gregos: se a vida é demasiado curta, então nunca deixe a sobremesa para o fim. E, neste caso, a sobremesa não merece ficar à espera do fim do texto. De acordo com a minha querida Mulher Mistério, foi a melhor sobremesa que comeu na vida (atenção que Ela não é nada exagerada…). Já eu não me atrevo a rever toda a minha vida gastronómica em dez mil caracteres. Mas lá que foi a melhor sobremesa dos últimos anos, lá isso foi.

    Estou a falar do extraterrestre pudim de queijo da Serra, do restaurante 3 Pipos, em Tonda. Antes que comece a protestar, devo esclarecer que não foi um erro involuntário que apagou o “el” entre o “d” e o “a” – o 3 Pipos fica mesmo em Tonda, uma pequena povoação a cerca de um quilómetro de Tondela. Se estiver a menos de 200 km de Tondela, então vale a pena o desvio para almoçar no 3 Pipos. Se estiver a uma distância maior, não se acanhe: marque um hotel nas redondezas porque este restaurante é imperdível.

    A sobremesa

    Antes de mais nada, o que nunca deve ficar para o fim. Confesso que, mal entrei no restaurante, olhei para a montra das sobremesas e fiquei verdadeiramente esmagado pelo morgado que babava doce de ovos na minha direcção. Mas a minha querida Mulher Mistério, uma democrata tão pluralista como o André Ventura, impôs o pudim de queijo da Serra (€4,90) sem qualquer contemplação. E eu não posso dizer que esteja arrependido. Antes pelo contrário.

    Por fora, parece um tradicional pudim Abade de Priscos, mas ao primeiro toque percebe logo que está perante uma verdadeira revolução gastronómica. Esta pequena maravilha da natureza confeiteira mantém a cobertura suave e o molho de caramelo irresistível por fora. Mas no interior junta um inegável sabor a queijo da Serra que ajuda a equilibrar o excesso de açúcar com a mesma elegância com que Maradona equilibrava uma bola no pé. Apesar de se sentir totalmente o sabor do queijo da Serra, este não tem um único pingo de estranheza. Liga na perfeição com a doçura do pudim, tornando-o devorável até à exaustão. Nós dividimos uma fatia, mas apenas porque estes meses de início de ano não permitem grandes loucuras. Se pudesse, ainda agora lá estaria a triturar pudins como uma betoneira. Para ver todas as fotos e detalhes do almoço, só precisa de carregar na galeria aqui em baixo.

    O couvert

    Felizmente as qualidades do 3 Pipos não se resumem à sobremesa. Mal me sentei à mesa, olhei para a ementa e li manteiga Marinhas (€1), percebi logo que estava a entrar num pequeno Éden. A Marinhas é a minha manteiga preferida já há muitos anos. Sem ter o toque de sabor a queijo da Uniflores ou da manteiga de Azeitão (outras duas preciosidades artesanais), a Marinhas consegue ser suave, equilibrada e muitíssimo saborosa. Produzida de forma artesanal desde 1954, não leva corantes nem conservantes e é feita a partir de natas de leite de vaca extraídas na própria fábrica. É dificílima de encontrar à venda, por isso quando eu encontro manteiga Marinhas, sou tão feliz como o Marcelo Rebelo de Sousa quando encontra um telemóvel com câmara frontal.

    Para acompanhar, pedimos um cesto de broa de milho (€2,40) não demasiado pesada mas também não muito saborosa o que, perante a maravilha da manteiga, não foi grave. Ainda mais quando, além da manteiga, pedi também aquele que foi provavelmente o melhor requeijão que já provei na vida. Produzido na Queijaria Quintas de Tondela, bem perto do restaurante, este requeijão de cabra tem uma textura e uma cremosidade únicas. Imagine a suavidade de uma almofada de penas e a leveza de um algodão doce. Agora misture tudo com o sabor único de um requeijão de cabra produzido artesanalmente numa queijaria que ainda sobrevive apenas com animais de produção própria.

     

    A entrada

    Para compor as entradas, e visto que nos estávamos a abalançar para dois pratos principais com a densidade e um braço do Mike Tyson, pedimos apenas aquilo que para a minha querida Mulher Mistério é impensável deixar escapar: umas favinhas bebé com o tamanho da ponta do meu dedo mindinho (€3,80). Enquanto Ela é uma obcecada sorvedora de qualquer prato que inclua favas, já eu só me rendo cegamente às favas com chouriço do José Cid. De resto, têm de ser estupidamente pequenas, incrivelmente tenrinhas e absurdamente saborosas. Caso contrário, prefiro uma feijoada.

    No entanto, as favinhas do 3 Pipos são verdadeiramente favinhas minúsculas acabadas de sair do ventre da vagem. Com uma textura amanteigada e um sabor suave e viciante, vêm acompanhadas por um divinal chouriço: saboroso, equilibrado e tão tenrinho que quase se desfaz na boca. Um verdadeiro encanto mesmo para os mais desconfiados favocépticos.

    Os pratos principais

    E eis que chegamos ao momento alto do almoço. O momento de escolher entre o óptimo e o excelente. Eu pedi um fabuloso cabrito à casa (€19,00 meia dose) e a minha querida Mulher Mistério um colossal polvo frito com migas (€21,50 meia dose). O cabrito é absolutamente delicioso. Bem temperado e muitíssimo saboroso, vem crocante e levemente estaladiço por fora, e muitíssimo tenrinho por dentro – daqueles que se separa do osso ao toque de um simples garfo. Servido num agradável tacho de barro escuro, vem queimadinho no exterior e delicadamente pousado sobre um irresistível molho que lhe dá ainda mais sabor. A acompanhar, vieram umas batatinhas assadas bem tenrinhas, um arroz solto que só peca por não vir carregado de miúdos do cabrito e uns saborosos grelos salteados.

    Mas, se o meu cabrito estava do outro mundo, então o polvo frito com migas da minha querida Mulher Mistério era uma viagem intergaláctica. Primeiro, o polvo. Cortado em fatias fininhas, da espessura de uma dupla cartolina, vem frito sem uma pinga de óleo a mais. Seco e estaladiço por fora, tenrinho, a desfazer-se na boca por dentro, é das coisas mais deliciosas que já provei.

    Agora, as migas. Servidas também num tachinho de barro, por baixo do polvo, absorvem uma boa parte da gordura e do sabor do polvo a que acrescentam tudo o resto. E o que é tudo o resto? É uma surpreendente combinação de broa desfeita e soltinha, couve laminada e feijão-frade macio. Tudo isto salteado num suave azeite até se tornar uma sinfonia de sabores e texturas (momento poético do dia…) absolutamente surpreendente. Então a combinação do feijão frade suave com a broa em migalhas é simplesmente perfeita. Não tem nada a ver com as migas alentejanas, mas é uma experiência incrível e bastante mais leve.

     

    O ambiente

    Com um espaço castiço dividido por várias salas, tem paredes grossas de pedra e uma simpática lareira. Tudo típico e com detalhes deliciosos, não tivesse o restaurante sido construído numa antiga adega e num antigo lagar. A ajudar à decoração, uma enorme garrafeira que se espalha por várias áreas e que só ajuda a abrir o apetite.

    As mesas são cobertas de toalhas de pano, com guardanapos de pano, o que hoje em dia é cada vez mais uma raridade. Acima de tudo muitíssimo acolhedor, não fossem os guinchos das duas crianças que escolheram as esquinas da nossa mesa para jogar à apanhada. Ainda esperei por alguma bóia de salvação lançada pelos pais, mas estes estavam mais preocupados com as garrafas de vinho que iam abrindo do que com os gritos dos filhos nos nossos ouvidos.

    No exterior, há uma esplanada que abre nos dias de calor mas, perante os 3º C que estavam na rua, resolvemos optar pela lareira do interior.

     

    O serviço

    Mal liguei a marcar mesa, percebi que estava a lidar com um restaurante com um serviço fora do normal. Especialmente quando se despedem de nós com a seguinte resposta:

    – Boa viagem, venham com cuidado.

    Ao chegarmos, só confirmámos o telefonema. Fomos recebidos por um senhor muitíssimo simpático e fomos atendidos por uma senhora extremamente atenciosa. A comida chegou rapidamente e sem falhas, com boas sugestões de pratos e de doses (meia dose chega e sobra para uma pessoa).

     

    O bom

    O espaço e a simpatia do serviço.

    O mau

    As crianças a jogarem à apanhada à volta da nossa mesa.

    O óptimo

    Toda a comida, em especial o divinal pudim de queijo da Serra e o polvo frito com migas.

     

    Um óptimo pudim para si onde quer que a melhor sobremesa esteja,

    Ele

     

    fotos: casal mistério; 3 pipos

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 
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    3 Pipos
    Rua de Santo Amaro, 966, Tondela
    De 2ª a sábado, das 12h às 15h e das 19h às 22h
    T: 232 816 851

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