Não estamos a falar do pequeno-almoço, estamos mesmo a falar da tradição na noite da festa. Segundo o escritor e investigador Hélder Pacheco, citado pela revista Visão, as sardinhas são uma moda recente, importada de Lisboa. Só terão chegado ao Porto na década de 1940, “com a realização da primeira Feira Popular, no Palácio de Cristal”. Antes, havia uma tradição radicalmente diferente na noite de São João: “Na véspera, comiam-se torradas à meia-noite e bebia-se café com leite”. No próprio dia, então, assava-se o anho, num tabuleiro de barro, acompanhado por umas batatinhas.
Mas esta não é a única surpresa da maior festa do Porto.
Quando nasceu a festa?
O primeiro relato conhecido da noite de São João é do século XIV e foi feito por Fernão Lopes, na crónica do Rei D. João I. O historiador terá chegado ao Porto no dia 23 de Junho e terá encontrado uma enorme festa: o povo celebrou “no meio de grande animação e entusiasmo desabrido(…) no dia em que os moradores daquela cidade costumam fazer gran festança”.
No entanto, a tradição terá começado muito antes, celebrando o dia como uma festa da fecundidade. Uma canção popular refere que “…até os moiros da moirama / festejam o S. João…”. E o jornal Correio da Manhã explicava em 2003 que já na Idade Média o povo descia das muralhas do castelo e ia para “as hortas fazer arraiais e folguedos. Nos campos e pinhais, as raparigas rolavam na erva humedecida pelo orvalho num ritual propiciador da fecundidade”.
De onde vem a tradição dos martelinhos?
O martelo de São João já só foi inventado no século XX – e começou por ser o martelo da Queima das Fitas. Tradicionalmente, nas festas de São João batia-se com o alho-porro na cabeça dos homens, como símbolo da fertilidade masculina. O martelo só foi inventado em 1963 e originalmente não foi criado para a festa de São João.
A tradição nasceu quando os estudantes universitário contactaram um fabricante de plásticos do Porto à procura de um objecto que fizesse muito barulho para as celebrações da Queima das Fitas. O industrial chamava-se Manuel António Boaventura e tinha acabado de criar um brinquedo inspirado num saleiro e num pimenteiro que tinha visto durante uma viagem ao estrangeiro. A história é contada pelo seu neto, no blog Martelo de São João: Boaventura ofereceu vários martelos porque tinham um apito e faziam barulho ao martelar.
A invenção fez um sucesso gigantesco na Queima das Fitas desse ano e, em Junho, Boaventura foi inundado de encomendas dos comerciantes para a festa de São João. Desde então, os martelinhos são usados por toda a gente. Mas chegaram a ser polémicos. No final dos anos 60, por sugestão da Câmara Municipal do Porto, os martelinhos foram proibidos por irem contra a tradição das festas. Boaventura foi impedido de produzir mais exemplares e quem fosse apanhado com um martelo na mão, na noite de São João, tinha de pagar uma multa de 70 escudos.
Só em 1973 é que o Supremo Tribunal voltou a autorizar a utilização dos martelos – mas nunca, nem durante os anos de proibição, os portuenses deixaram de os usar na noite de São João.
Sabia que o feriado do Porto podia ter sido o 1 de Maio?
O feriado de São João só foi instituído em 1911, depois da implantação da República e de um referendo popular. Com o fim da monarquia, o Governo Provisório decidiu atribuir a cada município o direito de escolher um feriado. Mas o dia 24 de Junho não foi consensual. Segundo a revista Porto de Encontro, uma parte da Comissão Administrativa do Município do Porto defendia o São João, outra parte queria o Dia do Trabalhador como feriado municipal.
A decisão foi tomada num referendo organizado pelo Jornal de Notícias. Entre os dias 21 de Janeiro e 2 de Fevereiro, as pessoas tinham de enviar “‘um bilhete postal ou meia folha de papel dentro de enveloppe’ para a redacção do jornal, com a indicação do dia de sua preferência. E, para recompensar o trabalho dos leitores, o Jornal de Notícias oferecia ‘dez valiosos premios'”.
Diariamente, o JN fez um relato apaixonado da evolução dos resultados, que começou com a preferência pelo Dia do Trabalhador: “A votação de hontem, que foi grande, dá maioria ao 1 de Maio, seguido pelo 24 de Junho (S. João) e N. S. Conceição [8 de Dezembro]”.
A reviravolta deu-se no dia 26 de Janeiro: “Só hontem vieram tantos votos como em todos os dias anteriores. O dia de S. João tem enorme maioria. O dia 1 de Maio já está muito em baixo”, dizia o JN citado pelo artigo do Porto de Encontro.
O resultado final foi:
Dia de São João: 6565 votos
Dia do Trabalhador: 3075 votos
Dia de Nossa Senhora da Conceição: 1975 votos
9 de Julho: 8 votos
Por uns milhares de votos, tínhamos perdido esta festa maravilhosa.
Um óptimo São João para si onde quer que a tradição esteja,
Ele
fotos: d.r.
Magnifico texto. Simplesmente genial. Parabéns.
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Viva o S. João.
Não é necessário ter 100 anos para conhecer esta, agora algo esquecida,devido ao desaparecimento das padarias. Lembro-me de ir à padaria comprar pão acabado de cozer e de o comer ainda quente acompanha de café para ajudar a passar a noite toda na folia.
Verdadeiro e muito bonito, relembro os meus tempos de miúda e adolescente, na tarde de S.João ,recolhiam -se as madeiras velhas,juntavam – se num monte e depois do jantar reuniam- se todos junto á fogueira a vêr quem saltava mais e melhor !!! Era uma alegria para todos e á meia noite, tudo ia para casa comer torradas ou pão quente que as padarias coziam propositadamente para as pessoas só porem a manteiga.e depois as raparigas e os rapazes, faziam os seus pedidos ao S. João ,colocando um ovo dentro de um copo de vidro e deixavam ao relento da noite até de manhã e aí sim formavam – se grupos inormes , de visinhos e amigos e iam a pé de baile em baile que se faziam nas ruas , para as Fontaínhas ou para a Boavista! Que no meu tempo de miúda existia sempre um grande arraial!depois só chegavam a casa de manhã e então iam vêr qual o desenho que o ovo tinha , que era a resposta que o S. João deixava ao pedido que se lhe fazia.
Belos e maravilhosos tempos esses. Saudades….
No meu tempo o fazia-mos a meio da noite ia-mos ao café comer-mos as torradas e bebermos uma bebida quentinha,,hoje não o fazem é ir aos copos++
Adorei a explicação. Parabéns
Desde que me conheço por gente, é já lá vão mais de 70 anos que os meus pais iam comprar pão quente para comermos com manteiga e café à meia noite. Até hoje continuo a fazê-lo…
Ainda me lembro da reza!
“S. João de Deus amado
S. João de Deus querido
Mostra-me o meu futuro
Neste copinho de vidro!”