A minha relação com a dieta é muito clara e cristalina. Desde que o meu médico me disse que a melhor maneira de dormir bem à noite era acabar sempre aquilo que começo, eu já me empenhei em conseguir acabar sozinho dois pacotes de bolachas e um bolo de chocolate com chantilly. Mais recentemente, foi a vez dos entrecôtes. E dos chuletóns. E das batatas fritas. E dos molhos. E das sobremesas maravilhosas da Sala de Corte, o novo restaurante que abriu há poucos meses no Cais do Sodré, em Lisboa.
O ambiente
Este novo espaço é o verdadeiro inferno dos vegetarianos – tudo aqui tem carne (talvez as sobremesas escapem) – e o pesadelo dos amigos do colesterol – as carnes são de novilho e em respeitosas quantidades.
Logo à entrada, tem um enorme balcão onde as carnes são preparadas e onde se pode sentar. Do outro lado, há uma fila com poucas mesas, colocadas lado a lado e demasiado próximas umas das outras. Tão próximas que nos entrou pela mesa adentro uma animada conversa protagonizada por quatro surfistas, com o cabelo de um loiro recém-nascido, que discutiam animadamente as maravilhas das Nazaré. Tudo teria sido mais agradável se, ao levantar-se para ir fumar um cigarro, uma das surfistas não tivesse quase deitado abaixo com o rabo a nossa garrafa de vinho.
Tirando este leve constrangimento de jantarmos todos ao colo uns dos outros, o restaurante está bem decorado, com um ar descontraído e divertido: por exemplo, a casa de banho fica dentro de uma câmara frigorífica.
A ementa
E eis que somos finalmente chegados ao ponto relevante deste texto: a carne servida das mais variadas maneiras e feitios.
O couvert
A linha em branco não é gralha. A Sala de Corte não tem mesmo couvert. Pelo menos, quando fomos lá jantar num romântico tête-à-tête, não constou. Mas como eu não consigo esperar pela comida sem nada à minha frente, tive de me contentar com um pisco sour (€11), um cocktail sul-americano feito com uma aguardente típica do Peru, sumo de lima, clara de ovo, xarope de açúcar, gelo e especiarias. Estava bom, mas é só para quem gosta de bebidas doces. Ela preferiu uma BrewDog Jack Hammer (€6,95), uma óptima cerveja artesanal, forte e com aromas cítricos.
As entradas
O que vale é que as entradas vieram rapidamente e não tivemos tempo de nos alcoolizar por causa da falta de pão. Começámos com uma fantástica burrata com tomate cherry assado, presunto bellota 5J cortado muito fininho e manjericão (€14). A burrata é sempre fantástica desde que esteja fresca – e esta estava fresquíssima –, o presunto é hiper saboroso e o tomate assado vinha com um delicioso sabor a carvão – aqui quase tudo é preparado num forno a carvão que faz uma enorme diferença no sabor da carne.
Depois, pedimos um carpaccio de lombo de novilho com azeite de trufas, pistácios, salada de rúcula, rabanetes laminados e queijo parmesão lascado (€12). O carpaccio vinha ligeiramente mais grosso do que o habitual, o que acaba por ser uma vantagem porque se sente mais o sabor da carne do que nos habituais carpaccios congelados servidos frequentemente por esse país fora.
Os pratos principais
Se as entradas foram divididas irmamente por mim e pela minha querida Mulher Mistério, os pratos principais foram cada um por si. E ainda bem. Porque enquanto Ela pediu uma picanha que não estava nada de especial (€11,50) – duas fatias de uma grossura intermédia e sem muito sabor – eu optei pelo entrecôte (€14,50) que estava delicioso. As duas carnes vinham servidas numa tábua de madeira com uma fabulosa flor de sal cor-de-rosa do Havai ao lado. Mas enquanto a Dela era fatiada, a minha era um naco com dois dedos de altura e cortado na vertical. Por fora estava marcado, por dentro mal passado.
A acompanhar todos os pratos de carne, é servido o mesmo fantástico tomate cherry assado da burrata e um relish de tomate fumado, que é um molho de tomate picado e avinagrado que não me fascina especialmente – acho sempre que acaba por abafar o sabor da carne. Além disso, ainda escolhemos dois acompanhamentos que dividimos: um puré de batata trufado (€2,50) que estava suave e saboroso e uma dauphinoise de batata doce (€2,50), que é um gratinado típico francês que aqui é feito com queijo parmesão.
Além disso, a Sala de Corte tem uma variedade quilométrica de molhos para a carne. É suposto pedir apenas aqueles que gostar mais, mas, no meu caso, isso nunca se coloca. E, enquanto Ela corava de vergonha, eu pedia rigorosamente todos os molhos disponíveis para poder provar tudo e mais alguma coisa que ainda houvesse. Vou por isso começar do pior para o melhor: o molho chimichurri (picante e com azeite e alho) não é definitivamente dos meus molhos favoritos; os molhos de pimenta, manteiga de alho e ervas e béarnaise são bons mas não deslumbrantes; e os meus preferidos foram claramente o molho de cogumelos (feito com cogumelos shitake e que estava delicioso), o stilton (que é cremoso e tem todo o sabor do queijo) e a maionese trufada (que vem mesmo com pedaços de trufa lá dentro).
As sobremesas
A noite acabou com mais uma partilha de casal. Perante a quantidade de colesterol que já tínhamos ingerido, decidimos dividir um falso crumble de caramelo, chocolate e amendoim (€4). É feito com amendoim picado, mousse de caramelo, bolo de chocolate e ainda vem com um gelado de baunilha por cima. Escusado será dizer que, por minha vontade, ainda lá estava a comer sobremesas destas umas atrás das outras.
O serviço
Foi sempre rápido, simpático e atencioso. A única hesitação da noite foi quando eu decidi pedir todos os molhos disponíveis e a empregada precisou de alguns minutos para descobrir como é que tudo aquilo podia caber numa mesa tão pequena. Acabámos com duas taças de molho literalmente pousadas em cima das nossas tábuas de carne.
As crianças
O restaurante fica em pleno Cais do Sodré, numa zona que, à noite, não é o primeiro sítio onde vai querer ver os seus filhos – ou filhas. A carta não tem menu infantil, mas se quiser experimentar o restaurante ao almoço – para as crianças se sentirem mais à vontade – tem um hambúrguer de novilho com ovo, queijo cheddar e barriga de porco fumada (€9,50), pregos e bitoque.
O bom
O carpaccio e o falso crumble de amendoim
O mau
O espaço acanhado entre as mesas
O óptimo
A burrata com presunto e o entrecôte
Um óptimo entrecôte para si onde quer que esteja,
Ele
fotos: sala de corte
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.