será este o restaurante com estrela michelin mais barato em portugal?

    Pratos principais a €26, entradas a €19 e vinhos a partir de €20 é infelizmente uma raridade nos dias que correm em Portugal. Mais raro ainda é se o restaurante for absolutamente maravilhoso. E quase impossível se for detentor de uma honrosa estrela Michelin. Mal soube que o Ó Balcão, em Santarém, tinha ganho a sua primeira estrela Michelin, corri para o telemóvel para marcar uma mesa. Normalmente não dura uma semana até que os preços da ementa disparem à mesma velocidade a que o Ussain Bolt corria os 100 metros. Mas o Ó Balcão não é um restaurante normal. E a verdade é que os preços se mantiveram. Pelo menos, por enquanto…

    A ementa

    Peixe do rio, legumes da horta, carne típica ribatejana. Aqui só vai encontrar comida tradicional. No entanto, preparada de forma original, surpreendente e absolutamente maravilhosa. Pode estar descansado que não o vão encher de espumas, infusões e outras técnicas mais típicas de um laboratório de bioquímica do que de uma cozinha de um restaurante. A apresentação é cuidada, mas não o deixa com medo de lhe tocar para não estragar como se fosse a bailarina de Degas. E depois há comida, o que é cada vez mais uma raridade em muitos restaurantes com estrelas Michelin. Se em alguns sítios se limita a saborear uma espuma de vaca, aqui tem variações deslumbrantes de pratos tão típicos como um arroz de marisco ou um rabo de toiro gratinado. Pratos que alimentam, que enchem e que nos deliciam.

     

    O ambiente

    Espaço simples, sem aquela tensão típica de um restaurante Michelin que nos deixa com os níveis de stress próximos da hiperventilação. Aqui o ambiente é descontraído e tranquilo, muito mais próximo de uma taberna de aldeia do que de um restaurante de luxo. Por exemplo, na parede tem uma maravilhosa exposição de relógios despertadores antigos, pratos típicos ou azulejos coloridos; nas mesas, tem simples tampos de pedra; e na casa-de-banho tem um velho programa de rádio a tocar no lugar da tradicional música de elevador.

     

    O serviço

    Por outro lado, encontra um serviço que consegue combinar a precisão de um relógio suíço com a rapidez de um carro de Fórmula Um e a simpatia e a descontração de uma tasca portuguesa.

    Tirando o detalhe de a empregada falar demasiado baixo – coisa que, como os meus queridos Filhos Mistério fazem questão de realçar, o meu ouvido de boomer já não permite captar –, tudo teria sido perfeito.

     

    O couvert

    O couvert está para uma refeição assim como o FC Porto está para as arbitragens – é uma eterna vítima do sistema. Não protesta com os árbitros, mas ninguém lhe liga nenhuma. Em qualquer restaurante, despacha-se o couvert com um pão pouco interessante, uma manteiga com umas ervas por cima para tentar impressionar e, quanto muito, um paté quase nunca caseiro. Pois bem, nó Balcão (não é gralha, é mesmo a contracção caseira do “no” com Ó Balcão…) há um detalhe que torna este couvert um momento irresistível. Chamam-se camarinhas, muito prazer, e são uns camarões minúsculos nascidos e criados no Rio Tejo (€3,50). As camarinhas são fritas e desidratadas ao ponto de ficarem tão leves e estaladiças como umas batatas fritas Pala-Pala, mas com um leve sabor a marisco. São ideais para comer inteiras e ficar com uma pista do que virá a seguir.

    Para compor o couvert, trouxeram um pão de massa mãe leve, saboroso e com a côdea a estalar (€5). Estava óptimo, mas o preço absurdo do pão que se paga hoje em dia em qualquer sítio está longe de ser razoável. À mesa chegaram seis mini-fatias de pão cortadas ao meio, do bolso saíram cinco enormes euros de conta. Pode ser o melhor pão do Ribatejo, mas é difícil justificar pagar quase um euro por fatia.

    A acompanhar trouxeram uma simpática e cremosa manteiga com alho assado, o que fazia com que o sabor a alho não fosse intenso demais (€3,50) e um pratinho de azeite do chef (€3,50) que deu para molhar apenas três das mini-fatias de pão. De todos os preços do restaurante, os do couvert foram manifestamente os mais altos.

    O coscorão

    Eu sei que o jantar começou mesmo agora, mas já estamos no momento alto da refeição. Ou, melhor, num dos vários momentos altos. Esta maravilha dá pelo nome de Coscorão do Rio Até ao Mar e nós pedimo-lo em conjunto com mais uma caixa de três snacks à escolha do chef (tudo por €18). No entanto, o coscorão merece uma vénia à parte. No fundo, é um cone de massa de coscorão (sim, a mesma do Natal em casa da minha querida Mãe Mistério), mas salgada. Porque lá dentro leva um divinal creme de camarão do rio por baixo de um picadinho de atum (peixe do mar) e fataça (peixe do rio) levemente cítrico e delicioso. Finalmente, no topo, termina com uma espuma de camarinhas, os tais estratosféricos camarões do rio.

    Eu falei em espuma?! Peço desculpa, afinal aqui há espumas. Mas estamos a falar de uma verdadeira explosão de água salgada na boca. Não estamos a falar daquelas espumas que derretem antes sequer de tocarem na língua e desaparecem com a mesma velocidade a que se diluem os processos do Ministério Público em Portugal. A espuma no coscorão é na verdade uma mousse aveludada. E o coscorão é uma combinação de sabores única. Uma mistura de mar e rio, de cremosidade e crocância, de supresa e excentricidade. Se quiser ver as fotos dos outros pratos que experimentámos, então carregue na Galeria aqui em cima.

     

    A caixa de snacks

    A compor a caixa, chegou um charuto de abóbora com escabeche de coelho. A massa do charuto é de abóbora e por dentro leva um saboroso escabeche. No topo do charuto, tem ainda três montinhos de vinagre de figo que dão um toque ligeiramente ácido e doce e ainda umas folhinhas de oxalis que dão um bom toque de limão. Além do charuto, veio um macaron de iscas de cebolada. No fundo, a massa do macaron é feita com cebola frita e no centro leva um paté de fígado de pato. É surpreendente, mas achei o menos saboroso dos três.

    Melhor foi o taco de javali. O taco é feito de massa de feijão branco e por dentro leva uma divinal carne de javali fumada acompanhada de maionese de kimchi, picles de cebola roxa, malagueta fermentada e pó de couve roxa. O taco vem dentro de uma caixa onde acabou de se queimar uma madeira especial. Ou seja, assim que é aberta, sai aquele fumo delicioso, o que lhe dá um ainda mais intenso sabor de fumado. Acima de tudo, é uma incrível explosão de sabores que começa ainda antes de abrir a boca.

     

    O tártaro de touro

    A seguir, chegou outra pequena maravilha da natureza. Infelizmente, era literalmente pequena por se come numa única dentada. Estou a falar do tártaro de touro. Outro animal típico do Ribatejo, o touro é forte e saboroso. E consegue manter a textura quando é picado fininho como aqui. Além disso, vem muitíssimo bem condimentado. E por fora leva uma tosta de alga desidratada em forma de cabeça de touro. Além de ser saborosa e salgada, a tosta de alga ainda é estupidamente fininha e estaladiça. Se não fosse tão pequenino, então o tártaro poderia ser um sério candidato a estrela da noite. Assim o prémio de melhor snack foi para o inacreditável coscorão.

     

    A Nossa Horta

    Depois dos snacks, passámos para as entradas. E aqui não podíamos deixar de experimentar A Nossa Horta (€19). Como a minha querida Mulher Mistério está empenhada em fazer uma horta cá em casa, achei que era o mínimo. E na verdade foi o máximo! Este prato é uma selecção de produtos directamente colhidos da horta particular do chef. Por um lado, são frescos e saborosos, por outro lado, são preparados de uma forma única.

    O que nos trouxeram para a mesa foi uma divinal selecção de legumes servidos por cima de um creme do outro mundo. O creme é feito de uma selecção de três cogumelos – shimeji, marron e morchella – com grão de bico e chícharo. O chícharo é uma leguminosa parecida com o tremoço. Depois de cozida, fica com uma textura cremosa semelhante à do feijão. O resultado é um creme fenomenal que consegue juntar uma textura quase de mousse e um fortíssimo sabor a cogumelo. Por cima, veio um gratinado com camadas de batata doce, beterraba amarela e nabo intercaladas por um creme de feijão branco. E no topo um fenomenal molho amanteigado, levemente avinagrado, com mais umas lâminas de cogumelos.

    O cremoso de caranguejo e lagostim do rio

    A combinação de todos estes sabores com produtos exclusivamente da horta é absolutamente deliciosa. Mas o melhor de tudo estava para chegar a seguir. Estou a falar do cremoso de caranguejo e lagostim do rio (€19). É absolutamente inacreditável como se consegue este sabor a marisco com produtos exclusivamente do rio. O segredo está na cura. Antes de os juntar ao arroz, o chef cura os mariscos em sal para lhes dar aquele sabor único a que estamos habituados quando entramos numa marisqueira.

    O cremoso é um arroz carolino malandrinho a libertar um sabor a marisco por todos os bagos. E isso deve-se ao creme de caranguejo com que o arroz é misturado. Pelo meio ainda vai encontrar uns generosos pedaços de lagostim do rio. E por cima um imperdível carpaccio de lagostim, um crocante feito com a água do lagostim (ainda estou a tentar perceber como se pode fazer um crocante a partir de água!). E para finalizar e lhe dar ainda mais crocância, vai encontrar uns pistácios picados.

     

    Os pratos

    Sim, só agora é que chegámos aos pratos, apesar de cada entrada ter a envergadura de uma verdadeira feijoada em qualquer típico restaurante Michelin. E aqui dividimos primeiro um prato de peixe e a seguir um de carne.

    Para peixe, escolhemos o siluro. Mais conhecido como peixe gato, o siluro é um delicioso peixe de rio. Vem em filetes fritos, secos e bem estaladiços por fora (sem ponta de gordura) e ultra suculentos por dentro. São servidos por cima de uma açorda de algas (que maravilha de sabor!) com berbigão e algas do rio. Finalmente, vem no topo uma espuma feita com a água da cozedura do peixe.

    O peixe estava óptimo (especialmente a divinal açorda), mas o melhor foi o prato de carne. Especialmente porque estamos a falar do gratinado de rabo de touro que é uma autêntica obra prima comestível. O rabo de touro vem desfiado e tão cozinhado que quase se derrete na boca. No meio, leva camadas de batata laminada e molho béchamel. No topo, mais uns divinais cogumelos de levar qualquer um à loucura.

     

    As sobremesas

    Assim que me falam de Mousse com Cheirinho, eu salto do banco com a mesma rapidez com que Marcelo Rebelo de Sousa salta para a frente de um microfone. E esta mousse é com chocolate com 70% de cacau, sem açúcar. Mas então o que é que lhe dá o toque doce típico da mousse de chocolate? Um caramelo feito com vinho abafado. E é este abafado que também é misturado à mousse. Confesso que prefiro um cheirinho a bagaço, mas à falta disso, ficamos com o abafado. A consistência da mousse é boa e espessa, no entanto prefiro um sabor mais amargo.

    Como a Família Mistério não é capaz de ficar por apenas uma sobremesa (a verdade é que éramos quatro à mesa), pedimos ainda um Chiffon de Nozes que é uma esfera de claras em castelo panada em nozes com recheio de doce de ovos e espuma de tangerina. Ao mesmo tempo, chegou Nem Tudo É Limão. Basicamente, é um gelado de limão com caramelo salgado com creme de limão e arrepiado em pedaços (um doce típico ribatejano que é uma espécie de suspiro de amêndoa). Por cima leva ainda um fabuloso queijo de cabra ralado, com três anos de cura, o que ajuda a cortar esta combinação de citrinos.

     

    O Café das Velhas

    E para finalizar em beleza o Café das Velhas (€9,50): uma rabanada (no Ribatejo mais conhecida por fatia parida) regada com creme de café com leite e acompanhada por uma bola de gelado e uma bolacha de canela. Foi uma homenagem à comida mais típica das avós. Eu bem me lembro dos jantares da minha avó feitos de café com leite (muitas vezes café instantâneo, outras de saco) e sopinhas (biscoitos ou bolachas mergulhadas no café). No caso do chef do restaurante, a avó preparava umas fabulosas rabanadas (ou fatias paridas, como se diz no Ribatejo) com café com leite à lareira. Eu agradeço as memórias porque esta sobremesa foi para mim, a melhor de todas.

     

    Os vinhos

    A carta é pequena, os preços começam nos €20, o que hoje em dia é cada vez menos habitual, mas tem uma razoável selecção de vinhos do Tejo para manter a fidelidade à região. Contudo, se procurar vinhos de outras regiões, terá uma desilusão porque a escolha é bastante restrita. Nós optámos pelo Castelo 13, um vinho do Tejo exclusivo do restaurante (€23). O branco é um arinto fresco que liga maravilhosamente com os peixes e mariscos do rio. Já o tinto foi óptimo para as carnes.

     

    O bom

    A criativdade da cozinha assim como a capacidade de transformar peixe de rio numa explosão de sabores única.

    O mau

    A carta de vinhos demasiado curta e o preço do couvert.

    O óptimo

    Acima de tudo, o Coscorão do Rio até ao Mar; o Cremoso de Caranguejo e Lagostim do Rio; e o Gratinado de Rabo de Touro e Cogumelos. Ah, também não pode perder o fenomenal Café das Velhas. Eu sei que é muita coisa óptima, mas vai ver que neste restaurante vale a pena.

     

    Um óptimo restaurante para si onde quer que a estrela Michelin esteja,

    Ele

     

    fotos: ó balcão; casal mistério

     

    Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial. 

    _____________________________

    Taberna Ó Balcão
    Rua Pedro de Santarém, 73, 2000-223 Santarém
    De 2ª a sábado, das 12h às 15h30 e das 19h às 22h
    T: 918 252 808

    Deixe um comentário

    O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *