– Desculpe, o vinho branco não está muito fresco.
– Pois, aqui é normal. O nosso frio não funciona muito bem.
Estamos em Lisboa, numa noite com cerca de 30º C, no novo restaurante do chef Henrique Sá Pessoa, e o vinho branco veio quase à temperatura de um banho nas termas. Podia ser por acharem que aquele vinho devia ser servido à temperatura de um vinho tinto. Podia ser por mania ou por inovação. Mas não. No Tapisco, pelos vistos, é “normal” “o frio” não funcionar muito bem.
A ementa
Tenho de confessar que já tive inícios de jantar mais animadores (e, sobretudo, mais frescos), mas nem foi isso que me fez sair do Tapisco com um sentimento algures entre a desilusão e o sofrimento. O maior problema foram as bombas de Lisboa, ou como são cosmopolitamente apresentadas, La Bomba de Lisboa (€7).
Trata-se de dois gigantescos croquetes de novilho com alheira que vieram sufocados por um denso e desinteressante puré de batata que os poderia facilmente elevar à categoria de mini-empadões, se é que, naquele prato, se pode usar a palavra “mini”. Tudo ali é exagero, tudo é pesado e tudo embucha – até o denso molho de tomate que leva por cima.
O couvert
Mas o melhor é fazer uma inversão de marcha até ao início do jantar. Mal nos sentámos, pedimos umas azeitonas marinadas (€1,50), grandes e tenrinhas, mas demasiado cítricas para o meu gosto. A acompanhar veio um pan con tomate y jamón ibérico de bellota (€5) que em Lisboa poderia ser patrioticamente tratado por “pão com tomate e presunto”. Basicamente são quatro pedaços daquela baguette típica dos bocadillos espanhóis com tomate esmagado e um presunto cortado muito fininho. O tomate estava bom e nada ácido e o presunto era simplesmente divinal.
Os petiscos
O primeiro prato a chegar foi uma agradável salada de ovas com um molho de vinagrete de pimentos e uns ovos de codorniz cozidos a baixa temperatura (€12), que excepcionalmente teve direito a um nome em português na lista. As ovas vinham frescas e soltinhas, mas o melhor da salada foram mesmo os ovos de codorniz, pequeninos e saborosos, com a gema a misturar-se com os outros ingredientes. É bom? É, sim senhor. Justifica os 12 euros? Deixe-me pensar melhor…
Enquanto eu fazia contas à conta, os preços sofreram um significativo upgrade com o tártaro de atum com abacate e ovas de wasabi (€16), que se revelou o melhor prato da noite. O atum estava fresquíssimo e saboroso e o abacate bem maduro – tão maduro que, à medida que nos servíamos, se ia transformando num divinal creme. Por cima, trazia ainda umas rodelas de rabanete ultra-fininhas, quase transparentes, e umas ovas de wasabi que rebentavam na boca, libertando um delicioso sumo picante. É claramente o prato mais surpreendente que provámos.
O problema é que as surpresas acabaram por aqui. A açorda de gambas (€19) trazia uns nacos grandes de pão que lhe davam uma extraordinária capacidade de embatucar qualquer estômago, e o bacalhau à Brás (€14) vinha com uma gema de ovo confitada por cima que ajudava a retirar muita da cremosidade que se encontra, por exemplo, nos maravilhosos bacalhaus do José Avillez ou do restaurante Afonso, em Mora. Além disso, vinha ligeiramente insosso, o que, num prato de bacalhau, é quase um crime.
Depois das bombas de empadão, ainda vieram umas tiras de choco frito (€12) com uma maionese de coentros e outra de lima, que estavam razoáveis mas longe daquelas que se comem em Setúbal, e um lombo de atum na brasa (€21) que tinha tanto de caro como de demasiado passado. A acompanhar, trouxeram uma emulsão de pinhões que achei ligeiramente enjoativa.
As sobremesas
Empanturrados com tanto puré de batata e pão (eu sei que foi muita comida, mas éramos quatro…), tivemos de fazer algum esforço abdominal para conseguir provar a mousse de turrón de Alicante (€6) e um sorvete de limão com espuma de Vermute (€5). A mousse era óptima, suave, cremosa e trazia uns pedaços crocantes de torrão (perdão, turrón) por cima. O sorvete perdeu bastante com a espuma de Vermute que estava doce demais.
O serviço
Um restaurante de petiscos para dividir tem de servir os pratos para os clientes… dividirem. E isso implica que venha um de cada vez, dois no máximo. No Tapisco, o serviço foi um verdadeiro bombardeamento de comida. Primeiro, demoraram dez minutos a trazer o couvert. Depois, mais 15 a trazer a salada e o tártaro. E, a seguir, chegaram a açorda, o bacalhau, o atum braseado e as bombas de Lisboa em simultâneo. Só conseguimos aconchegar tudo na mesa, puxando os nossos pratos metade para fora.
De resto o serviço foi educado – nem demasiado simpático nem demasiado rápido.
O ambiente
O restaurante é pequeno e as mesas estão todas em fila, quase coladas umas às outras. Para quem gosta de fazer novos amigos, pode ser interessante; para quem prefere manter uma conversa privada, pode ser um problema.
As crianças
Não tem menu infantil.
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O bom
O tártaro de atum com abacate e ovas de wasabi
O mau
O vinho branco morno
O péssimo
A bomba de Lisboa
Um óptimo petisco para si onde quer que as tapas estejam,
Ele
fotos: tapisco; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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Tapisco
Rua D. Pedro V, 81 Lisboa
Todos os dias, das 12h às 00h00
T: 213 420 681
Já ando farto deste casal mistério. Diz que é absolutamente anónimo e totalmente desconhecido, mesmo dos animais cuja lei ora apresentada lhes virá permitir lamber a coisa à dona, isto é lamber o prato no colo da dona, passara-lhe o pano pelo molho, eu sei lá, fazer, enfim, as delícias da dona, ser lambida enquanto come. Quanto ao chefe Sá Pessoa… pois é destes casais que ele vive. Sim, porque eram quatro pessoas. Isto é, há duas pessoas que sabem quem este casal, porque é sabido que o casal extra vem ao sapo ler estas coisas. Está dito e descoberto o mistério. Publique-se-
Que comentário mais parvo