Tenho de fazer uma confissão séria e genuína: não sei bem por onde começar. Estou aqui sentado à frente do computador, triste e nostálgico, a pensar se comece por falar do pudim abade de priscos caramelizado que vem acompanhado por uma bola de gelado de Queijo da Serra deliciosa e por uma telha de amêndoa crocante. Ou se fale dos finíssimos raviolis de pato desfiado, com molho de foie gras e uma redução de Vinho do Porto por cima. Ou se descreva o carpaccio de veado, com um molho de queijo creme e raiz de rábano e umas bolachas de queijo crocantes. Ou se refira o deslumbrante sushi com manteiga de amendoim. Ou os cogumelos com trufas. Ou o sashimi de vieiras. Ou o paté de atum. Ou…
…O ambiente
É isso, vou começar pelo ambiente. Agora que já abriu o apetite e que está aí a salivar como se fosse uma hiena à espera do Rei Leão, vamos fazer uma curta pausa para falar um bocadinho de tecidos, bordados e decoração.
O Wish é o mais recente projecto do chef António Vieira, um dos mais talentosos e versáteis chefs do Porto. Lembra-se do Shis, aquele restaurante com uma vista de sonho, na praia do Ourigo, na Foz, Porto? Exactamente, aquele que fechou depois de ter sido destruído pelo mar e por um incêndio uns meses mais tarde. Pois bem, António Vieira era o responsável pela cozinha divinal. E, depois destes dois azares, abriu, no ano passado, o Wish, perto da Praia do Ourigo, no Largo da Igreja da Foz, um dos recantos mais charmosos do Porto.
Nos dias de sol, há uma simpática esplanada de madeira mesmo de frente para a igreja. Nos dias de chuva, há um ambiente confortável e acolhedor que mistura uma insólita colecção de chapéus coloniais pendurados nas paredes com cadeiras aconchegantes onde nos apetece passar uma tarde inteira refastelados.
A ementa
Mas antes que nos troque pelo site da La Redoute, o melhor é começar a falar da comida. Há poucos restaurantes em Portugal que conseguem juntar uma fantástica ementa mediterrânica com uma maravilhosa oferta de sushi. E se a isto acrescentarmos ainda uma carta de doces de nos deixar a babar como um São Bernardo em dia de calor, então temos o paraíso. Mas, como dizia o esquartejador, vamos por partes.
O couvert
Cheguei ao Wish de braço dado com a minha querida Mulher Mistério para mais um jantar romântico a dois, algo cada vez mais frequente desde que os nossos filhos entraram a acelerar pela adolescência a dentro. E, como não tínhamos a mesa pronta, esperámos uns minutos ao balcão enquanto caíamos nos braços de um fantástico Hendricks com pepino.
Mal nos sentámos à mesa, trouxeram-nos dois tipos de pão: um de centeio e outro escuro, com sementes e polvilhado com farinha por cima. Ao lado, veio um pouco de manteiga e umas azeitonas verdes muito tenrinhas molhadas em azeite. Mas o melhor do couvert (€2,50 por pessoa) não é nada disto. É um fantástico paté de atum, feito com um saboroso peixe ainda em nacos e que se sente a cada trincadela.
As entradas
O paté foi só um aperitivo para o que se seguiu. E aqui é melhor fazer uma pausa para falar de arrependimento. Esta nova mania da minha querida Mulher Mistério de querer dividir todos os pratos em cada restaurante por onde passamos é das piores invenções dos últimos anos. Especialmente quando um desses pratos tem em cima estes divinais raviolis de pato (€12) que estão destacadíssimos no top das melhores entradas que esta boca de João Bafo de Onça já provou.
A massa é fininha e suave e, dentro de cada um dos três raviolis que vêm para a mesa, está um pato desfiado ultra-saboroso. Por baixo, um aveludado molho de foie gras dá um sabor fabuloso e, no topo, a redução de Vinho do Porto tem o toque adocicado que faltava. Para acabar, ainda vem uma pancetta estaladiça que transforma cada garfada numa experiência inesquecível.
Quando eu ainda estava a martirizar-me por ter aceitado partilhar os raviolis, chegou um carpaccio de veado (€10) finíssimo com um sabor suave e uma textura macia. O carpaccio traz ainda uma surpreendente mistura de queijo creme com raiz de rábano que lhe dá um toque ligeiramente picante e delicioso. Por cima, vêm umas miniaturas de cenoura e de espargos verdes e umas bolachas de queijo tostado e crocante que ligam lindamente com tudo o resto.
As entradas só terminaram quando trouxeram para a mesa uns cogumelos selvagens com um escalope de foie gras, umas trufas laminadas e um ovo cozinhado a baixa temperatura (€16). Apesar de tudo isto ligar lindamente e de o ovo estar perfeito, o escalope de foie gras estava rijo demais, o sabor a trufas não se notava muito e a tosta que acompanhava estava ligeiramente queimada. Mesmo assim, comemos tudo sem pestanejar.
O sushi
E foi com este currículo que experimentámos finalmente o sushi. Primeiro um sashimi de vieiras (€9) absolutamente magnífico e muitíssimo fresco – eu sou um fundamentalista das vieiras – que vinha servido com um pouco de wasabi, dentro de uma concha; e depois um mix de 33 peças (€36) que misturava camarão, salmão, atum e peixe branco das formas mais surpreendentes.
Aqui não deve esperar sushi puro e tradicional, mas antes uma cozinha de fusão que mistura um peixe fresco e saboroso com um arroz bem equilibrado e alguns ingredientes inesperados. Eu adorei a mistura do peixe com manteiga de amendoim que pode chocar os mais puristas, mas que estava simplesmente fantástica; e o atum braseado com sementes. Ela preferiu o sashimi de salmão e os hot rolls que não fazem tanto o meu género.
A sobremesa
Sim, ainda houve uns centímetros cúbicos de estômago livres para partilharmos uma das melhores sobremesas dos últimos tempos. Trata-se de um fenomenal pudim Abade de Priscos (o tal das 20 gemas de ovos…) com uma bola de gelado de Queijo da Serra suave e com uma telha de amêndoa que é qualquer coisa de divinal (€6,50): no fundo, é uma bolacha muito leve feita à base de claras de ovos e de amêndoa laminada. Quando vai ao forno, insufla ligeiramente criando uma crosta crocante e cheia de ar no meio. Por cima de tudo isto, ainda vem um fio de caramelo que percorre toda a sobremesa e que combina na perfeição com o gelado de Queijo da Serra.
Eu metia-me já no carro, a caminho do Porto, só para comer esta maravilha outra vez hoje ao jantar.
O serviço
Foi sempre muitíssimo simpático e ainda mais acolhedor. Quase sempre que vou jantar fora no Porto, sinto um cuidado e um carinho a receber os clientes que não é tão frequente em Lisboa, onde tudo é mais impessoal. Aqui parece que os empregados acompanham os clientes pessoalmente ao longo de toda a refeição – desde o simpático barman que nos serviu o gin quase personalizado, até à atenciosa relações públicas que nos preparou a mesa e nos foi entregar as bebidas à mesa, passando pelos empregados que nunca nos deixaram de braço estendido mais de dois segundos para pedir alguma coisa.
Mesmo quando o restaurante já estava vazio e começaram a passar a ferro as toalhas das mesas ao lado para o almoço do dia seguinte, tentaram fazê-lo o mais discretamente possível.
As crianças
Tem um menu infantil com creme de legumes, bifinho picado com ovo estrelado, batata frita e arroz e uma bola de gelado por 12 euros.
O bom
O serviço, o ambiente e a zona
O mau
A tosta semi-queimada dos cogumelos selvagens
O óptimo
A comida, em especial os raviolis de pato e o pudim Abade de Priscos com gelado de Queijo da Serra
Um óptimo jantar para si onde quer que o Porto esteja,
Ele
fotos: wish; casal mistério
Nota: Todas as despesas das visitas efetuadas pelo Casal Mistério a restaurantes, bares e hotéis são 100% suportadas pelo próprio Casal Mistério. Só assim é possível fazer uma crítica absolutamente isenta e imparcial.
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Wish
Largo da Igreja da Foz, 105 e 107, Foz, Porto
Domingo a quinta, das 12h às 00h; Sextas e sábados, das 12h à 1h
T: 912 375 313